... Sentado à frente, segue um jovem , direcionando o barqueiro com sinais manuais. Na popa, ele fica atento a tudo e movimenta a embarcação com agilidade, desviando das rochas mais traiçoeiras que colocam suas cabeças pra fora da água. Entre eles, o repórter que aqui vos fala junto com viajantes de diversas partes do mundo, sentados de dois em dois nos estreitos banquinhos, observam a água cor de chá e a mata verde passando em velocidade. Todos, sem exceção, estão lá para conhecer o Paraíso das Cachoeiras, que o Sr. Carl apresentou ao mundo no filme "Up - Altas Aventuras".
No meio desse paraíso, a queda d'água que mais atrai turistas é a Salto Angel. Considerada patrimônio mundial pela Unesco e uma das candidatas a maravilha natural do mundo na eleição do último ano, a cachoeira foi batizada assim após o aventureiro norte-americano Jimmy Angel descobrir o lugar - apesar dos Panamos contestarem essa versão e dizerem ter batizado essa grande maravilha de Churún Merú bem antes de qualquer aviador maluco aparecer por lá. Mas isso não importa: é a maior cachoeira do mundo, oficialmente com 979 metros, derramando seus milhares de litros d'água interruptamente, sem se abalar.
Antes do Paraíso
Mas para chegar lá o caminho é longo. Seja pelo norte, via Caracas, a capital que recebe voos do Brasil, ou pelo sul, via Santa Elena de Uairén, que traz os brasileiros de Roraima, o destino é o mesmo: Ciudad Bolívar. Como bem mostra o nome, é mais uma homenagem ao libertador nacional, que acontece quase a cada esquina da cidade.
Nas áreas mais turísticas, como o centro histórico e a região onde estão as construções e palácios do governo, tudo é muito bem preservado, pintado e limpo: casinhas coloridas que lembram a nossa Paraty (RJ), calçamento de séculos passados mantido e policiamento alerta até a beira do grande rio Orinoco. No restante da cidade, assim como em muitas outras regiões do país, fica visível o descuido das autoridades com os patrimônios culturais.
De Ciudad Bolívar, a aventura realmente começa. Lá é preciso pegar uma avioneta que leva até o Parque Nacional Canaima. Na pista do pequeno aeroporto, o próprio piloto é quem ajuda os passageiros a acomodarem e empilharem suas bagagens atrás do último assento. E assim os seis ocupantes embarcam.
O pequeno bimotor de aparência frágil descola do chão na metade da pista, com a portinha do comandante entreaberta, segurada por ele para ventilar a aeronave. Os pedaços de jornal amarelado colados no vidro da frente são usados como para-sol e o GPS de orientação é o próprio celular do dono do manche. Só é possível deixar de reparar nesses detalhes e ficar mais tranquilo quando a paisagem muda do cinza ao verde e os rios, lagos e quedas d'água aparecem nas pequenas janelinhas do jato.
A viagem leva aproximadamente uma hora e meia. Do alto, é possível ver uma grande lagoa com duas lindas e volumosas cachoeiras, ao lado de um vilarejo. É o povoado de Canaima, que empresta o nome à lagoa e recebe as águas do rio Carrao pelos saltos Hacha, Wadaima, Golondrina, Ucaima, Sapo e Sapito. A pequena pista de pouso se aproxima rapidamente após uma curva ousada do nosso bólido e enfim volta-se a sentir a terra firme.
Um passeio tranquilo pelas ruas desse simpático vilarejo revela tranquilidade e um povo trabalhador. Exceto por um hotel mais pomposo que se estabeleceu por lá e recebe endinheirados que chegam com seus aviões particulares, as acomodações são simples e a cidade, que conta com uma escola para as crianças e outra para os jovens, tem apenas dois mercadinhos e uma igreja. O resto é verde.
Os dois mil descendentes de índios Pemones que ali vivem dependem do turismo e cuidam de tudo, alternando-se entre várias atividades. Quem faz o receptivo no aeroporto é Juan, menino com ar de adulto e corpo de comilão, que também atua como guia e timoneiro. Estudou na única escola para jovens que existe ali e gosta de trabalhar com os turistas. Sua dupla, o cozinheiro de mão cheia Alex, comanda o barco. Ele é respeitado em toda a comunidade, afinal, é o pajé de Canaima.
Rumo ao Salto Angel
Após o café da manhã, é hora de preparar a bagagem. Seguindo as recomendações dos guias locais, somente itens de extrema necessidade são separados. O ideal é levar apenas uma pequena mochila, de preferência impermeável, com utensílios de higiene e uma roupa mais quente, já que a noite será passada em um acampamento no meio da selva venezuelana.
O caminhão adaptado leva os visitantes até a parte mais tranquila do rio, antes das quedas, acima da lagoa, para embarcarem nas canoas. Após meia hora subindo contra o fluxo das águas, os turistas desembarcam e seguem por uma trilha aberta, enquanto a canoa passa por um trecho complicado, com rio estreito e muita correnteza.
Todos reembarcam para mais duas horas e meia de subida pelo rio. Apesar de cansativa, a viagem não é tediosa, pois a paisagem surpreende. Aos poucos, a mata rasteira dá lugar aos grandes tepuis (acidente geográfico com uma área elevada de solo com um topo plano) e, em alguns momentos, a impressão é de que se está em um grande corredor pré-histórico. Surgem as primeiras quedas d'água, que brotam do alto dos paredões e novamente me lembram o desenho animado.
Após uma grande curva, surge Auyantepuy, um dos maiores tepuis do Parque Nacional de Canaima, que começa a revelar o motivo de todo o esforço: o Salto Angel.
Nesse momento, só a natureza fala, até que Juan orienta o grupo a desembarcar. Mais uma hora de caminhada mata adentro, chega-se ao mirante. Esse é o melhor lugar a que um visitante alcança, a não ser que tenha uma casa movida a balões de gás, como o Sr. Carl. E é o suficiente. É mais que o suficiente, aliás.
Um banho no poço do Salto Angel e um ótimo jantar no acampamento fazem parte da programação. Já seria perfeito, mas a cachoeira, quando iluminada pela lua cheia, reaparece novamente e surpreende os visitantes, que terminam a noite em redes enfileiradas.
Durante minha passagem pelo local, o grupo foi dormir ouvindo uma forte chuva cair. Mas o dia seguinte nos reservou um presente. A chuva parou logo cedo e o Salto Angel, para alguns felizardos e por poucos minutos, apareceu acompanhado de um arco-íris. Em tão pouco tempo aquele lugar parecia se transformar e ganhar cada vez mais beleza.
Já descendo o rio Carrao, no início do caminho de volta, dei uma última olhada para trás e acompanhei o Salto Angel sumindo atrás de um dos tepuis. Com ele, fica o agradecimento por essa maravilha natural estar tão bem guardada e a esperança de que dure para sempre.
Serviço:
Kavac Tour
http://explore.com.ve/pt/tours/281-kavac-excursiones
Transmadu
www.transm/andu.com
Venetour
www.venetur.gob.ve
(Fonte: Daniel Thompson/UOL)
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