Antônio sempre foi um sujeito calmo. Dava um boi para não entrar numa briga, mas, quando entrava, dava outro pra não sair.
Nas últimas semanas ele vinha de uma indignação atrás de outro, e a mais nova era por causa do apagão.
Não admitia que ele, um consumidor de poucos gastos e um fiel pagador, fosse penalizado por um governo que deixou de fazer a sua parte.
Mas Antônio não perdia a calma, mantinha-se sempre sereno, não obstante a indignação com as mazelas do governo e, em especial, na iminência de ficar sem luz.
Naquele dia, por uma dessas ironias do destino, Antônio chegou em casa num momento em que não devia.
Por vários motivos, o principal deles, e o que interessa para o bom entendimento desta história, é que deveria estar viajando, e não estava.
Assim que entrou no apartamento, Antônio ouviu um barulho estranho no quarto do casal. Deu dois passos, as orelhas em pé, e percebeu alguém vindo em sua direção. Era a Vi nua, inteiramente nua, que fechava a porta do quarto atrás de si e corria até ele, parte dos cabelos caídos sobre a lividez do rosto, ficando evidente suas coxas roliças e a avantajada derriére.
- O que é isso? Perguntou Antônio. Porque você esta sem roupa desse jeito?
A resposta da Vi foi tão espontânea que Antônio não fez qualquer questionamento. Até se ofereceu para escrever na barriga dela um FORA FHC, de quadril a quadril.
Perguntou onde seria o protesto e ela respondeu que seria no centro. Então prontificou-se a leva-la até o local.
Antes de tomar o elevador para descer os 15 andares do prédio, conferiu bem se a porta estava fechada e colocou sobre ela uma lençol para lhe cobrir a nudez.
Rodaram pela cidade, Antônio sempre muito solicito, procurando o lugar do evento, mas não encontraram. Foi quando a Ví, sem muita convicção, sugeriu que voltassem para casa; talvez o protesto tivesse sido suspenso e suas colegas de militância não a tivessem avisado.
Antônio concordou, sem qualquer pedido de explicação. Entraram em casa, ele chaveou a porta por dentro, guardou a chave no bolso, foi até a cozinha, pegou um facão e voltou para a sala. Foi quando a Vi, com ar preocupado, perguntou o que ele ia fazer com aquilo.
- Agora vou procurar o Apagão... esclareceu ele, com a maior calma do mundo.
E caminhou lentamente em direção ao quarto do casal.
Wagner Sampaio é Advogado
Leia também:
"LOUCURAS DE AMOR – III," texto publicado no NJ em 2001 por Wagner Sampaio
Veja Mais noticias sobre SAMPASpress