O HOMEM MULTA
....Era necessário dar um salto de qualidade, salvar a vida, viver algo inusitado, extraordinário, ousado, impensado, que valesse a pena ter vivido neste Paraíso.
No momento, o que o atormentava eram os mil radares que existiam em sua cidade.
Havia radar pra tudo: veículo, cachorro, jegue, bicicleta, ser humano: só não havia radar para limitar o poder constituído... muito embora esperava-se que houvesse bom senso na gestão da coisa pública.
Matutou muito e encontrou um projeto, inusitado, que provavelmente registraria seu nome na história da cidade, do país e quiçá no mundo; enfim sairia daquela vidinha medíocre.
Inventaria uma fórmula para burlar os radares, ou seja, seria tão veloz ao passar pelos mesmos que estes não o captariam. Mas como?
Sabia que o dispositivo eletrônico do radar, o que emite a fotografia e faz o registro, a prova material era resultado da equação de Dopller, calculada no cumprimento da onda de emissão e o ângulo de incidência do feixe de micro-ondas.
De posse das informações, debruçou-se dias a fio em cima dos estudos em seu quarto, com o objetivo de superá-lo, vencê-lo, e se transformar no homem-multa.
Sua mãe achava estranho o comportamento de Tonhão Jegue; sabia que quando o filho ficava assim, boa coisa não viria dali.
Alguns dias depois Tonhão Jegue tinha encontrado a fórmula; agora era só marcar o dia para colocá-la em pratica.
No dia do ágape, reuniu os amigos que o ajudaram na montagem do dispositivo eletrônico. Postaram-se cerca de cinquenta metros de um dos radares da cidade.
O objetivo era passar pelo mesmo, em altíssima velocidade sem ser percebido.
Tonhão Jegue comprou duzentas varetas de rojões e amarrou-as, uma a uma em torno do seu jegue, conhecido como Ativo Banner.
A princípio o jegue ficou indócil, mas tanto tempo junto de Tonhão que pareciam comungar os mesmos pensamentos, e após alguns minutos o jegue já estava calmo à espera da experiência inusitada que iriam viver.
Vestiu um macacão igual ao de corredor de formula I, colocou o capacete, as luvas e montou no jegue. Solicitou aos amigos que colocassem fogo nos rojões, o que foi feito e de repente seu jegue saiu em altíssima velocidade, na verdade levantou voo como um foguete, passando por cima do radar, em velocidade e ângulo que este não captaria.
Já comemorava o êxito da experiência e recebia os flash dos repórteres fotográficos nacionais e internacionais, quando ocorreu um imprevisto: o caminhão de lixo adentrou a sua trajetória e encontrava-se em baixíssima velocidade, parecia uma tartaruga, justamente quando seu jegue Ativo Banner começava a descer. Não deu outra a colisão foi inevitável, seguida de explosão e Tonhão e Ativo Banner faleceram.
Embora morto continuava com o cérebro vivo e constatou que quando o carro de cadáver chegou para levá-lo, houve uma pequena homenagem dos presentes a sua pessoa. Sentia-se orgulhoso, um vencedor, enfim fizera algo inusitado, seu nome seria registrado na história pátria, os jornais registrariam, as rádios e tvs. noticiariam; provavelmente até o vendedor de pamonha comentaria. Era o mínimo que esperava após a singularidade da experiência.
Estavam mortos, mas eram heróis e isso era o que importava.
De repente alguém empurrou-o pelo ombro. Isto não estava no contexto, alguém insistia em chamá-lo. Resolveu abrir os olhos.
Era sua mãe: - Tonhão acorda que tá perdendo hora, vamos logo que o fim do mês taí e você tem muitas contas para pagar.
- Mami a senhora acabou com o meu sonho.
- Vamos logo, levanta seu vagabundo.
- Mami, que falta de sensibilidade!
- Antes de sair ponha comida e água pro Ativo Banner.
Wagner Sampaio é Advogado
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