O LADRÃO DE VOTOS, capítulo II
- O que, você não morreu? Perguntou Cidona para Mami.
- Não querida, tive um daqueles piripaques, tipo esticou a canela, foi desta para melhor; fui atendida no hospital, demorei, mas voltei; daí sim quase morri de susto.
Depois o Dr. Rola me internou, e fui operada daquele problema antigo e hoje estou por aqui.
- Dr. Rola?
- Exatamente, só me fodeu.
- Oooooooooqqqqqqqqqqqquuuuuuuuuueeeeeeeee querida?
Não é isso que você está pensando. Ele me deixou internada durante todo esse tempo e me operou, você sabe, vou ficar sem sensibilidade na “perseguida” durante muito tempo.
- Justamente ali?
- Exatamente na área de lazer.
- Foi Knis que nos avisou que você morreu.
- Tipo fdp, me abandonou, foi ao hospital trouxe meus documentos, minha carteira, cartões bancários, talões de cheques, chave do meu carro, terceirizou o enterro, comprou um caixão de terceira categoria, de papelão reciclado, daqueles que o papelão é uma lixa, o mais barato que encontrou e pagou um local para eu ser enterrada, pior do que cachorro, e nem se preocupou de me ver, se eu estava viva ou morta. Onde está aquele fdp, que eu quero esfolá-lo vivo?
Ele assumiu tudo o que é seu, os negócios, os alugueis etc.
- Arrumou outra?
- Ainda não.
Mami, desculpe a franqueza, mas já estávamos acostumados com a idéia da sua morte e veja bem, não é nenhuma critica a sua pessoa, mas pensar em você morta deu certo alivio ao pessoal que lhe devem, seus inquilinos adoraram essa situação; desculpe falar dessa forma, se eu pudesse dar-lhe um conselho, eu aconselharia você permanecer morta, acertar suas coisas por aqui, pegar seu dinheiro e desaparecer.
- Mas como, eu fiz a minha vida aqui?
- Mami, o pessoal festejou a sua morte como nunca vi; você tem muitos desafetos.
E também muita gente me quer bem, mas pensando melhor, eu estava adorando essa situação, gozei bons momentos de férias no litoral, encontrei velhos amigos, velhos amores, revivi, dancei, rejuvenesci.
- Então, não tenho razão?
- De quem é o velório?
- Enrugadão.
- Aquele enrustico encontrou o que merece!
As duas ficaram ainda algum tempo pondo as fofocas em dia, e decidiram manter segredo sobre sua volta a vida e colocar o assunto em votação: o eleitorado da zona, constituído pelas putas iriam decidir pelo voto, se ela deveria voltar ou não.
Ficou acertado que cada casa faria sua eleição e o resultado valeria um voto no escrutínio final, e a eleição deveria ser em seguida, aproveitando-se que não havia ninguém na zona.
Quando menos transpirasse o problema melhor, enquanto isso ela (Mami) esperaria dentro do taxi, escondida, o veredicto final.
Decidido o que fazer, Ritona retornou ao velório e começaria a por em prática o plano, explicaria as meninas o que iria ser decidido e chamaria uma representante de cada casa, para fazer o mesmo.
Ritona ao adentrar ao velório estava branca como cera, tremula, sem saber como começar esse assunto. Pediu um trago duplo para Tanajura.
Tomou o trago de uma vez só, fez careta, e em seguida chamou as meninas para a reunião.
- Tem algum estranho na casa?
- Ninguém.
- Na verdade enquanto elas se reuniam num aposento anexo ao velório, chegou a casa, sem ser notado o bêbado conhecido por “Ta Mole”.
Ta Mole percebendo que não ninguém velando o morto e o bar estava abandonado, se enfiou atrás do balcão, pegou uma garrafa das boas, sentou-se no chão e passou a se deliciar com a bebida, bebendo no gargalo.
Ritona explicou tudo às meninas, estas ficaram incrédulas com o que ouviram e depois de inúmeras perguntas, se colocaram a campo para reunir as colegas para a eleição.
Enquanto as prostitutas iam realizando o combinado, Ritona e Xaninha de Cristal discutiam aonde deveria ser a cabine indevassável, qual local seria apropriado para que o eleitorado votasse tranquilamente.
Enquanto isso armou um plano para afastar dali Dr. Grilo e Saladão, já embriagados e demasiadamente alegres para um velório.
Decidiram que não havia tempo hábil para comícios nem seria tolerada boca de urna, carro de som ou “banner”.
Ritona mandou que Xaninha fosse até a casa vizinha e denunciasse a polícia a presença de um suspeito, do outro lado da cidade, de forma que os policiais viessem até ali buscar o Dr. Grilo e Saladão.
E assim foi feito.
Logo em seguida a viatura policial veio buscar Dr. Grilo e Saladão.
Em que local vamos colocar a urna? Perguntou Ritona.
Após muita discussão e procura, decidiram colocá-la em cima do peito do morto, como um castigo.
Improvisaram um cestinho de lixo e foi colocado em cima do cadáver do Enrugadão.
Foram afastados do local também Conde e Tanajura; que desconfiados de que estava ocorrendo algo, resolveram ficar “mosqueando” próximo do velório.
O movimento da zona com o velório era zero; o vigário Tem-Tem definiu bem a situação ao abençoar o morto:
- Tem que ter tesão de “Motoboy”, para dar uma bimbadinha.
- Senhor Vigário que linguajar mais escroto, repreendeu-o Xaninha de Cristal.
- É da vida minha filha, pior cego o que não quer ver. Você não esperava que eu fizesse uma citação Shakespereana, por aqui, nessa hora da madrugada, esperava?
- Senhor Vigário é melhor o senhor ir andando, que a noite por aqui é perigosa.
Com a saída do Vigário começou a votação. As reações mais incrédulas possíveis foram vividas e ouvidas, quando convidadas àquela hora da madrugada a vir votar, no velório.
- Está me gozando?
- Fale pra aquela biscate que hoje não é dia de eleição; a pinga fica dentro do bule no dia, e hoje no bule só tem café.
- Votar lá em cima daquele fdp, sendo velado, só na próxima encarnação.
- O que essa vaca inventou agora tem a ver com o enrustidão?
- Isso é parte do show do velório daquele crápula?
- Votação, velório, aliás, esse cadáver tem muito a ver com a política atual.
As meninas de Ritona eram muito pacientes em explicar, pedir segredo, votar e trazer o resultado ao final.
As putas só se convenciam de atender ao pedido pela consideração que ainda tinham com Mami.
Ritona e Xaninha utilizaram como cédula eleitoral, um papel higiênico picotado, cada qual recebia um pedacinho pra votar – Sim e Não, as alternativas do voto.
Sim eu quero que Mami volte. Não, eu não quero que Mami volte.
Conforme as putas iam chegando e votando as conversas iam aumentando, já havia um clima de revolva com a atitude de Knis, ex marido de Mami, por ter se apossado de tudo o que lhe pertencia, ainda em vida, dando-a como morta, comprando o caixão de terceira, terceirizando o sepultamento etc etc.
- Safado! Isso, safado, é o único elogio que ele merece!
A noticia do ressuscitamento de Mami se espalhou como um rastilho de pólvora; o que era pra ser segredo, já era do domínio de toda a zona, e ainda era de madrugada.
Provavelmente isso deveria estourar como uma bomba na cidade, com o raiar do sol.
As putas iam votando e colocando o voto no cestinho em cima do morto.
Algumas ao se aproximar faziam o sinal da cruz para em seguida despejar uma série de palavrões contra o morto.
O colégio eleitoral era composto por 47 putas e só faltavam duas senhoritas votarem.
Não havendo ninguém no salão, todas permaneciam do lado de fora da casa, conversando, degustando o resto dos salgadinhos comprados para o evento, quando Ta Mole, já trebado resolveu levantar-se atrás do balcão para ir embora.
Levantou-se com dificuldades, aproximou-se do caixão e não se conteve ao ver o cestinho de lixo no peito do defunto.
- Será que jogou ele no lixo? Era bem fdp, mas nem tanto, até que eu gostava dele.
Olhou dentro do cestinho de lixo e viu diversos papeizinhos; pensou, pensou, olhou de novo e ficou ainda mais em duvida.
- Será que estão cagando e jogando o papel higiênico nele? Ou será que o cadáver foi cagado também?
Esses pensamentos e a bebida embrulharam seu estomago e inesperadamente vomitou em cima do morto, concentrando o jato dentro do lixinho.
Percebendo o tamanho da caca que havia feito, pegou o cestinho com os papeizinhos e se dirigiu ao banheiro, jogando tudo na privada e dando a descarga.
Em seguida saiu pelos fundos, sem ser notado e foi dormir ao lado do taxi onde Mami, sem saber que havia mandado pro esgoto o resultado da eleição de Mami.
Wagner Sampaio é advogado
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