Miroldo ficou íntimo da faxineira Cobrinha, que era muito bem informada, e lhe contava tudo. Essas confidências acabaram na cama; Miroldo na sua nova fase não perdoava nada.

Numa dessas conversas confidenciais, Cobrinha lhe contou que Argemiro, o patrão, gostava de dar um ré no kibe; gostava de agasalhar um croquete.

Miroldo não tinha entendido direito o que Cobrinha lhe contava à meia voz, até que ela escancarou:
- “Vira homem, vira, vira lobisomen”. Miroldo não acreditou. Cobrinha arrematou: - Ele gosta é de um supositório mentolado !
- Mentolado ? Miroldo perguntava admirando e querendo saber mais.

Outro dia eles, Argemiro e a mulher, quebraram o maior pau na residência, chamaram até a polícia; a bicha Esterilar, me contou tudo. Segundo consta, a esposa foi pra fazenda, e teve que retornar por causa de um problema no automóvel. Chegou de surpresa em sua casa, pegou o marido dormindo com o Esterilar na cama do casal.

Eles armaram o maior barraco do bairro. A esposa queria matar o marido, e este respondia que “bicha não morre, vira borboleta”.
Ele saiu de casa e está morando com a outra, num kitchinet. A mulher está desesperada.
- Coitadinha ! Preciso hipotecar minha solidariedade.
- Deixe de frescura, aquilo é mulher melão, é comida de gente rica.

Miroldo não sabia como agradecer Cobrinha pela informação, sem despertar-lhe ciúmes.

Miroldo tinha uma paixão recolhida pela patroa, e a considerava a musa de seus maus e bons pensamentos. Por ela, costumava dizer, largava tudo, fazia loucuras. Pra ele, ela era uma deusa.

Argemiro continuava na gerência do motel, como se nada tivesse acontecido. Até que certo dia ali apareceu a ex esposa; se encontraram no escritório. Foi o maior quebra pau entre os dois, novamente.

Miroldo teve que intervir para que os dois não se matassem. Argemiro foi expulso do negócio.

Após a discussão e a retirada de Argemiro, Miroldo se aproximou da patroa, expôs sua solidariedade; ela estava debilitada procurou refúgio em seus braços.

Miroldo fechou a porta e passou a acariciá-la, para desespero de Cobrinha que de fora não perdia um movimento do casal .

Havia uma auréola de felicidade e cheiro de sexo no ar, quando Miroldo e a patroa se encontravam.

Certo dia, Argemiro veio ao motel e Cobrinha, para intrigá-lo contou-lhe que sua ex, estava de caso com Miroldo.

A princípio Argemiro nada disse, ouviu tudo e quando encontrou Miroldo a sós, passou a insinuar.
- Sabe qual a diferença entre a minha ex e uma pizza fria ? Ambas a gente só encara de madrugada, e a diferença é que a pizza da prá 8, já a ex ....

Miroldo retrucava: - Sabe porque os baitolas mordedores de fronha bebem? É porque xx de bêbado não tem dono !

Argemiro, percebendo que o ex funcionário já não o respeitava mais, abandonou o local amaldiçoando- o .

A separação do casal prosperou e coube ao Miroldo, a pedido da patroa vender os veículos que lhe coube na partilha: ambulância, carro de cadáver e caminhão da CPFL, herança de seu pai e que havia sido encostado nos fundos do motel e de grande utilidade outrora, em entrega de bebidas e lança perfumes.

Esta aproximação dos veículos e principalmente do carro de cadáver trouxe ao Miroldo recordações, uma estranha sensação e maus pensamentos.

Ficou com este pensamento o dia inteiro.

Miroldo e sua nova conquista estavam vivendo a plenitude de uma lua de mel; a despeito de gerenciar bem a casa, Miroldo não ia mais embora, dormia no motel, na suíte presidencial, sempre bem acompanhado.

Cobrinha que a tudo assistia, jurou vingança e passou a arquitetar a mesma.

A oportunidade surgiu quando a patroa lhe orientou fazer o café para Miroldo, com adoçante, pois ele era pré diabético:
- Vou matá-lo com o próprio veneno ! Falava baixinho Cobrinha.

Já no dia seguinte, Cobrinha passou no Empório Nordestino e comprou um pudim feito com casca de laranja azeda. O doce era gelado e é considerado “um manjar dos Deuses”; é um típico doce do culinária marajoara.

Colocou o doce na geladeira da sala da gerência, sem ser vista pelo Miroldo. E aguardava.

Antes de ir embora, verificou como estava o consumo do doce. Miroldo já havia comido quase a metade do mesmo.

Nos dias que se seguiram, Cobrinha repetiu a operação trazendo doces variados.

O café também Cobrinha passou a adoçar com bastante açúcar.

Cobrinha ficou devendo no Empório Nordestino, mas sua satisfação era maior, pois Miroldo teve um mal súbito e foi internado às pressas no hospital.

A patroa deu toda a assistência a Miroldo; desconfiava que alem do fato do mesmo não se cuidar, estava sendo boicotado pela Cobrinha.

Assim que Miroldo teve alta, a patroa com o dinheiro recebido da herança, resolveu comprar outro motel; adquiriu um situado próximo da Serra da Mar, que possuía vários andares e uma vista maravilhosa.

Era semana pré carnavalesca, a patroa e Miroldo resolveram tirar umas férias e ficar enfornados dentro da suíte presidencial desse novo motel, apreciando a natureza, tomando champanhe importada e comendo do bom e do melhor.

A localização da suíte presidencial na cobertura do prédio, além da vista maravilhosa da Serra do Mar, recebia toda a aragem fresca e neblina do local, transformando o quarto, que possuía todos os confortos que o local requer como hidromassagem, parede espelhada, t v, vídeo, som, geladeira abastecida, tapetes persas, ar condicionado, num templo pecaminoso.

Ficaram ali instalados todo o Carnaval, degustando a excelente comida do mestre cuca Ambrósio, e nos intervalos matando “a barata”, já que ninguém é de ferro.

Na quarta feira de cinzas de madrugada, alguém penetrou na suíte presidencial pela janela que estava aberta, vindo pela escada de segurança que ficava nos fundos do motel e efetuou vários disparos atingindo o casal, Miroldo e a patroa que dormiam abraçados, nus.

Miroldo foi alvejado quatro vezes no peito e patroa uma vez na cabeça. Ela faleceu na hora, já Miroldo foi socorrido pelos funcionários da casa, e ainda com vida foi removido para o hospital.

Enquanto era transportado, Miroldo ia passando a limpo sua vida: Lembrou-se, de Xandão, o desocupado que gostava de ouvir os epitáfios que ele inventava para gozá-lo, como do machão “ o meu, só a terra comeu”; do viciado em cocaína “ do pó vim, para o pó voltarei”. Lembrou-se das entregas de wisky no carro de cadáver; da primeira vez com Margot e de seu marido corno assumido; do Tanaka, do enrustido Argemiro, Cobrinha, de Boa Viagem.

Permaneceu longo tempo lembrando-se do seu grande amor, a patroa; que mulher maravilhosa ! Quantos momentos de felicidade viveram juntos ! Viveram uma vida inteira apaixonados um pelo outro sem se conhecer, e quando se encontram, viveram poucos e intensos momentos de paixão, e que fim trágico! Embora tenha nascida rica, nunca foi feliz; o casamento não deu certo e quando descobre o novo amor, e está vivendo a plenitude dessa loucura amorosa, novamente o destino interfere em sua vida e lhe prega outra peça . . .

Miroldo estava meio sonolento, cansado, os olhos cheios de areia quando percebeu a chegada ao seu lado de dois anjos.

Um se apresentou : - Sou seu anjo da guarda, e vou cuidar de seu passaporte e sua viagem para o l.º andar. Você está nascendo pra eternidade.

Nesse momento, o outro anjo se apresentou: - Sou seu anjo mau, aquele que conviveu mais tempo com você, estive presente em todos os seus pecados: nos momentos de soberba, gula, ócio, preguiça, avareza, luxúria, ira e inveja, estivemos juntos; enfim eu vivi mais com você do que qualquer uma de suas mulheres.
- Anjo mau, que sexo o senhor tem ?
- Anjo é assexuado.

Nesse momento a ambulância dá entrada no hospital. Um médico se aproxima procurando socorrê-lo. Miroldo ouve vozes. Alguém chega e diz:
- Ele está morto, vê na identidade se é doador. Tem uma vítima que está precisando de um elástico novo, pro reto.

Miroldo reage em pensamento.
- Elástico novo pro reto, para quem perdeu a elasticidade no tal ? N N N N N N N N ã ã ã ã ã ã ã ã o o o o o o o o o o !!!!!!!!!!!!!!!!!
Nesse momento ouve novas vozes:
- Ele está debilitado, depauperado, baleado e deve sofrer de algum mal, não serve pra nada, pode mandar embora.
- Depauperado ?

Começa a viagem pro 1.º andar. Lá chegando, encontra-se com uma pessoa barbuda, com um cajado grande na mão direita, e é encaminhado ao mesmo pelos assessores.
- Bem vindo, sou São Pedro e estou aqui para conferir sua ficha e ver se existe vaga.

Miroldo já se sente em casa e folga com São Pedro.
- Aquela história que o senhor estava envolvido nos três cantos do galo, antes da decisão, é verdade?
- Olha aqui meu filho, esse fato ocorreu há quase 2.000 anos, e parte é lenda.
- Vendo sua ficha, percebo que você está em debito, vai ter que encarnar novamente pra adquirir superioridade. Sugiro duas opções: voltar como bicho: galo, jacaré ou veado, ou como uma prostituta.
- Jacaré, galo ou veado? Todos que se defendem com o rabo? Ahhh eu não posso aceitar.
- Está decidido então, volta como a prostituta, será Samantha Day
- Samantha Day ! E fim de papo. O próximo ...

FIM -

José Wagner Sampaio é advogado