Depois de dois anos de recessão, a recuperação começou em 2017, e o principal campeão do PIB foi o agronegócio, que comemorou safra recorde de grãos, de 240,6 milhões de toneladas.
No governo federal, a produção agrícola comercial de larga escala é apontada como o caminho para fora da crise. “A retomada da economia está se dando pelo agronegócio. Ele está movimentando também a indústria de transporte, de caminhões, de pneus, de maquinário”, explica Neri Geller, secretário de Política Agrícola do Ministério de Agricultura, em entrevista à DW Brasil.
De toda essa produção agrícola, porém, pouco vai para a mesa dos brasileiros. Em 2017, o Brasil aumentou o volume do produto mais vendido pelo país: soja. Das 115 milhões de toneladas colhidas, 78% foram para a China. A exportação de milho também cresceu. “O milho brasileiro está se consolidando como grande commodity internacional”, afirma Geller.
Quando se consideram alimentos consumidos no país, 70% vêm da agricultura familiar, segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). São pequenos agricultores que plantam para abastecer a família e vendem o que sobra da colheita – como mandioca, feijão, arroz, milho, leite, batata.
Até fevereiro, agentes coletam em campo informações para um novo censo agropecuário, que deve dizer se esse percentual aumentou ou diminuiu nos últimos anos, explica Alfredo Guedes, gerente de Agricultura do IBGE.
Do campo à mesa
O governo prefere não fazer separação entre agricultura familiar e comercial. “Está tudo muito integrado. Agricultura no Brasil é uma só”, afirma Geller. “Quem produz comida é o produtor brasileiro: o pequeno, médio e grande.”
Em documentos oficiais, no entanto, a divisão ainda é feita. Dados da Secretaria Especial de Agricultura Familiar e Desenvolvimento Agrário apontam a existência de 4,4 milhões de agricultores familiares. Eles seriam responsáveis por 38% da produção agropecuária brasileira e empregariam 74% da força de trabalho.
A diferenciação também é clara para pesquisadores. “No modelo de agronegócio, predomina a monocultura, ou um pequeno número de culturas, as chamadas commodities, enquanto na agricultura familiar predomina a policultura e a produção de alimentos”, aponta Danilo Aguiar, pesquisador da Universidade Federal de São Carlos.
“A agricultura empresarial é mais capital intensiva, faz uso de mais máquinas e insumos químicos e menos mão de obra, normalmente desenvolvida em propriedades maiores, voltada totalmente para o mercado”, adiciona Aguiar.
Dinheiro para quem produz
As distinções também orientam os incentivos federais. Em 2017, o governo anunciou R$ 30 bilhões de crédito até 2020 para o Plano Safra da Agricultura Familiar – o que daria cerca de R$ 7,5 bilhões por ano. Para médios e grandes produtores, foram liberados R$ 190 bilhões no ano.
Segundo Geller, os recursos contemplam todos os perfis. “O pequeno também é beneficiado por esse recurso. Não quer dizer que os R$ 190 bilhões vão só para o médio e grande, a soma contempla também o pequeno”, argumenta.
Essa informação parece não ter chegado ao estado da Bahia, onde se encontra o maior número de agricultores familiares do país. É onde vive a agricultora Joélia dos Santos Andrade, que ajudou a criar uma cooperativa de trabalhadores na agricultura familiar na região de Mutuípe.
“Entendi há pouco tempo que o que fazemos como modo de vida é fundamental para alimentar muita gente”, explica. “Mas o crédito rural para agricultura familiar caiu muito no último ano.”
Há pelo menos duas gerações, a família de Joélia cultiva milho, feijão, mandioca, batata doce, inhame, hortaliças e frutas em sua pequena propriedade. O que sobra, vira renda – sai de Mutuípe, interior da Bahia, para ser vendido em feiras livres, centros de distribuição, abastece escolas e chega até a capital.
Comida e política
Os agricultores familiares também lamentam a pouca representatividade em Brasília. Depois da extinção do Ministério de Desenvolvimento Agrário, em 2016, que era voltado para agricultura familiar, uma secretaria especial, ligada à Casa Civil, foi criada. Ela está fora da alçada do Ministério da Agricultura, comandado por Blairo Maggi, que ficou conhecido como “rei da soja”.
“Isso diminuiu o status da importância da agricultura familiar”, critica Antoninho Rovaris, da Confederação Nacional dos Trabalhadores Rurais Agricultores e Agricultoras Familiares (Contag). “Está claro que o Ministério da Agricultura, que é dos grandes produtores e tem grande bancada no Congresso Nacional, se sobrepõe”, afirma. “A bancada ruralista diz que está defendendo todo mundo. Mas não nos sentimos representados.” (Fonte: Deutsche Welle)
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