Com o preço do barril do petróleo negociado nas bolsas internacionais próximo ao menor patamar em dez anos, crescem as especulações sobre qual será o futuro ponto de equilíbrio da commodity em um mercado bem menos aquecido do que aquele dos áureos tempos de bonança de alguns anos atrás. Enquanto alguns analistas vislumbram questões conjunturais como decisivas para a atual desvalorização da matéria-prima, hoje cotada um pouco acima dos US$ 30, outros aproveitam para destacar elementos estruturais que tendem a ameaçar os preços no longo prazo.
O professor emérito da USP (Universidade de São Paulo) e presidente da FAPESP (Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo) José Goldemberg, certamente compõe o segundo time. Com larga experiência nos setores energético e ambiental, carregando no currículo passagens pela presidência da CESP (CESP6), pelas secretarias de Ciência e Tecnologia e do Meio Ambiente da presidência da República e pelo Ministério da Educação, dentre outras instituições, o especialista projeta um cenário de grandes mudanças para os próximos anos, com poucas chances de novos ciclos de alta do petróleo. Para Goldemberg, a chamada "era do petróleo" caminha para o fim e abre espaço para outra realidade no cenário global.
"O que está acontecendo é uma mudança estrutural. O mundo não precisa de tanto petróleo", diagnosticou o professor em conversa pelo telefone com a nossa reportagem. "Os países industrializados, do hemisfério norte, consomem aproximadamente metade do petróleo do mundo e esse consumo está caindo. Durante certo tempo, pareceu que isso estaria sendo compensado pelos países em desenvolvimento, enquanto a economia chinesa estava nesse boom. Mas agora veja o que aconteceu com a China", explicou.
Na linha de raciocínio do especialista, a esperança dos produtores da commodity seria que o consumo subisse nos países em desenvolvimento a tal ponto que compensasse a redução no consumo pelas economias desenvolvidas. Mas, com a desaceleração do gigante asiático, as coisas ficaram mais difíceis na ponta da demanda. Segundo ele, ainda existe alguma possibilidade remota de o petróleo apresentar movimento de recuperação expressivo. Para isso, seria necessário um grande impulso de desenvolvimento na América Latina e África, o que abriria novos espaços para a commodity. No entanto, levando em conta o atual cenário dessas economias, Goldemberg praticamente descarta a hipótese.
Outro ponto que sustenta a tese de uma mudança estrutural no setor petrolífero defendida pelo professor é que o uso da matéria-prima como fonte de obtenção de eletricidade não é tão comum no resto do mundo, e que, acompanhando o crescimento da demanda por energia, aparece o desenvolvimento de novas fontes renováveis, como a solar. "Os equipamentos que usamos estão ficando cada vez mais elétricos. Agora vêm os automóveis elétricos também. É uma incógnita ainda, mas suponhamos que de fato se desenvolvam de maneira significativa. Eles vão precisar de eletricidade, não de petróleo. Há mudanças estruturais ocorrendo no mundo. A queda do consumo de petróleo é real e há um mercado de excesso de oferta", complementou.
No mesmo sentido da busca por fontes de energia mais sustentáveis, ele lembra dos avanços recentes conquistados na COP-21, realizada em Paris. O texto final da conferência do clima da ONU (Organização das Nações Unidas) conta com a assinatura de 195 países que se comprometeram a manter o aquecimento global abaixo dos 2ºC, o que é encarado como vital por cientistas para que se evite efeitos catastróficos e comprometedores ao futuro do planeta. Apesar de indicar monitoramento mais direcionado à realidade de cada país, o projeto não estabelece metas obrigatórias para da um. De todo modo, foi visto como um avanço em termos globais devido à elevada adesão, à despeito da dificuldade das negociações.
Embora visualize uma mudança de paradigma causada sobretudo por elementos estruturais, Goldemberg não desconsidera em sua análise os efeitos de uma disputa geopolítica envolvendo atores importantes como Arábia Saudita, Estados Unidos e Irã ou até os impactos da desaceleração da economia chinesa sobre os atuais preços do petróleo. No primeiro ponto, o professor destacou o histórico poder saudita sobre a organização que reúne os principais países produtores da commodity e que hoje já tem dificuldades para se impor de maneira indiscutível.
"A Arábia Saudita era o país que liderava a OPEP (Organização dos Países Exportadores de Petróleo). No passado, o que essa organização fazia era diminuir a oferta, o que fazia o preço subir. As pessoas estão surpresas que o preço está caindo, mas, na realidade, deveriam estar surpresas com o fato de os preços serem tão altos", analisou Goldemberg. "Eles praticamente dirigiam a OPEP. E o que acontece agora é que há muitos outros produtores. Os Estados Unidos, que eram grandes importadores, agora viraram um país exportador. Acho que, do ponto de vista geopolítico, a Arábia Saudita perdeu o controle da situação".
No plano geopolítico do petróleo, a interpretação mais aceita entre os analistas é a que aponta para um maior enfrentamento entre Arábia Saudita e EUA quando estes ampliam a produção de combustível a partir do xisto e tornam-se menos dependentes do petróleo árabe. Além disso, o agravamento das tensões regionais envolvendo sauditas e iranianos ganhou mais um fator explosivo que foi o fim das sanções econômicas impostas a Teerã por conta do programa nuclear em desenvolvimento. Desta forma, amplia-se naturalmente a oferta por petróleo e também cresce a disputa entre Arábia Saudita e Irã pelo poder no Oriente Médio, sem contar no interesse saudita em "quebrar" companhias exploradoras do xisto americano, a fim de elevar o controle sobre o mercado da commodity.
No meio desse emaranhado todo, aqui no Brasil, os preços abaixo do nível do pré-sal representam o golpe de misericórdia à Petrobras (PETR3; PETR4), que vê seu patrimônio derreter, o endividamento jorrar e a confiança de seus investidores secar com o andar das investigações da Operação Lava Jato e dos sucessivos equívocos de gestão cometidos ao longo de sua história. Mas isso é assunto para outra entrevista com José Goldemberg. (Fonte: Marcos Mortari/ InfoMoney)
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