DIÁRIO DE UM ADVO PAGÃO
AUTOBIOGRAFIA – NÃO AUTORIZADA.
...A contradição do título é para demonstrar e criticar as incoerências do momento da nossa sociedade, como um todo, do qual os Poderes Legislativo, Executivo e Judiciário fazem parte e isso tudo acaba explodindo na advocacia !
“No Brasil até o passado é incerto.” (Pedro Malan).
Quando era acadêmico de direito da faculdade Padre Anchieta, entre 1975/79, as aulas de direito penal eram nos sábados à tarde. Imagem o mico! Porém os professores eram muitos bons para compensar. Um deles, o professor Jorginho, era ótimo. Lembro-me de que certa feita, falando sobre “escolha dos jurados”, dos quais o advogado pode rejeitar alguns, após algumas perguntas aos alunos sobre as rejeições (a maioria rejeitaria os negros e os aleijados, demonstrando todo nosso preconceito), ele pacientemente explicava que, por experiência própria, as recusas deveriam recair sobre pessoas muito magras, “aquelas em que a pele do rosto entrava nos ossos, como múmias.”
Há algum tempo, defrontei-me, no litoral, com uma autoridade judiciária mumificada: pessoa que, se fosse jurada, pelos critérios do professor Jorginho, deveria ser rejeitada. Mas não estávamos em um júri, e sim numa audiência de instrução e julgamento de lide previdenciária.
De pronto, ficaram demonstrados todo o despreparo daquela autoridade e seu imenso “pré-conceito” com a autora (uma rurícola, semi-analfabeta, com quase 70 anos de idade), além do desconhecimento da legislação previdenciária, pois manifestou-se por não continuar com a audiência, ante as contradições no depoimento pessoal da autora.
Inicialmente, lembramos que direito é parte das ciências humanas e não matemática. E como ciências humanas as lides devem ser julgadas. Por outro lado, a Constituição Federal de 88 dá tratamento muito especial a essa categoria, os rurícolas, citando a procura do bem-estar e da justiça social, além da igualdade de todos os trabalhadores no país.
Voltando ao professor Jorginho, é dele também a aula sobre testemunhas. Segundo o professor, a testemunha é maltratada pelo poder judiciário. Deveria ser mais bem tratada, vez que sua função é auxiliar o juiz no seu julgamento, só isso. No entanto, é maltratada e esse fator, que é do conhecimento de todos que são intimados, começa com os eternos atrasos das audiências, prosseguindo-se com as atitudes dos juízes de tratá-los como suspeitos, interrogá-los quando deveriam receber a oitiva naturalmente. Diante desses fatores, a testemunha, ao ser intimada, fica nervosa e, na noite que antecede a audiência, não consegue dormir direito, às vezes tem até diarreia.
Nossa heroína, além da falta de sorte com a natureza, certamente não foi aluna do Professor Jorginho.
Wagner Sampaio é Advogado
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