O enredo da Petrobras nos últimos tempos nada tem de folia — e muito menos de brincadeira. Mas nem toda a fuzilaria do escândalo de corrupção na empresa derrubou a parceria com a maior festa popular do país. Esta semana, o presidente da Liga das Escolas de Samba do Rio (Liesa), Jorge Castanheira, anunciou que, por mais um ano, a elite do paticumbum contará com patrocínio da estatal para produzir o espetáculo da Sapucaí. O “faz-me rir” (para usar o dialeto da tribo do samba) deste ano será igual ao daquele que passou — R$ 1 milhão para cada uma das 12 escolas que vão passar a partir da noite de domingo 15 de fevereiro. A única diferença, agora em 2015, é que apenas metade do dinheiro sairá a tempo do desfile.
— O resto será depositado no decorrer do ano — confirmou Castanheira ao site “Carnavalesco”.
O crédito deve acontecer nos próximos dias e virá via renúncia fiscal de ICMS. Ou seja: a Petrobras adianta os recursos e depois debita do que paga ao governo fluminense. Os 12 milhões serão entregues à Liesa, que repassará a parte de cada escola. Para a maioria, a metade que chegará nos próximos dias será destinada a pagar dívidas acumuladas com a produção do desfile. O cinto também anda apertado para os bambas, cada vez mais órfãos de empresas que patrocinaram o espetáculo ao longo dos anos.
— Seria terrível se não saísse nada. Nossos custos estão altíssimos — atestou o advogado Nei Filardi, presidente da União da Ilha, que garantiu compreender o pagamento “na parcela”: — Temos de entender a situação pela qual a empresa está passando. Parceria tem que ser no sol e na chuva.
A Ilha, como as outras grandes do samba carioca, parte de R$ 5,5 milhões para fazer sua festa, dinheiro arrecadado com a venda de ingressos, dos direitos de transmissão para a TV Globo, do CD dos sambas-enredo e do apoio da Prefeitura do Rio. Outros patrocínios andam raros. Além de várias empresas terem desistido de participar, o governo do estado, de cinto apertado, anunciou que sua subvenção “dançou”.
Mas a Petrobras, com toda a crise, sustenta o ritmo, numa história iniciada em dezembro de 2003, a partir de uma saia-justa com a Velha Guarda da Portela, a mais importante do carnaval carioca. O jovem governo Lula, perto de completar seu primeiro ano, organizou uma feira nos Emirados Árabes, para a qual escalou várias atrações musicais, sob pretexto de exibir os encantos nacionais aos petroendinheirados. Na hora da seleção, a Velha Guarda da Portela, a mais importante do Rio, e o Jongo da Serrinha — manifestação supertradicional, que mantém praticamente intactos diversos rituais trazidos da África pelos escravos — foram substituídos pela Gaviões da Fiel, escola nascida da principal torcida organizada do Corinthians, time do coração de Lula.
Não prestou. Para estancar a chiadeira, o então presidente veio ao Rio, encontrou-se com sambistas e, da conversa, saiu o patrocínio. Nos primeiros carnavais, o dinheiro veio de um conjunto de estatais, que incluía também Eletrobras e Furnas. Nos últimos anos, a conta ficou toda com a Petrobras.
De sua parte, a empresa informou que o patrocínio integra o projeto cultural “Samba carioca patrimônio cultural do Brasil”, no qual o carnaval do Rio é o maior evento. “Além da visibilidade da marca, o projeto está alinhado à diretriz do programa de patrocínios da companhia de preservação do patrimônio imaterial, uma vez que o samba tornou-se patrimônio histórico cultural pelo Iphan (Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional) em outubro de 2007”, acrescentou a nota. A estatal confirmou que o contrato, assinado com a Liesa, mantém os mesmos valores desde 2011, quando passou a usar o sistema de incentivo do ICMS.
— Realizamos a maior festa popular do mundo e temos orgulho de contar com o reconhecimento de nossa maior empresa. Este dinheiro, mesmo em duas partes, fará uma diferença brutal nas contas das escolas — comemorou o deputado Chiquinho da Mangueira, presidente da verde e rosa, que, em 2005, foi além e teve patrocínio direto da Petrobras, no enredo sobre energia (com direito a usar o slogan da empresa como inspiração na letra do samba). (Fonte: Aydano André Motta/O Globo)
Foto:
Desfile da Mangueira de 2005 recebeu apoio da Petrobras (Carlos Ivan)
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