Fonte: Divulgação [-] [+]
Conheci tipos inesquecíveis. Um deles conheci no ABC, eu em início de carreira e meu herói em situação oposta, aguardando a aposentadoria, e de castigo tirando plantões noturnos.
Vamos chamá-lo de Kalil. Seus hábitos noturnos contradiziam os demais colegas, que gostavam de um rolê pelas casas noturnas da cidade.
Costumava se recolher cedo; por volta das 20 horas mais ou menos subia para o primeiro andar para dormir; levava consigo a bandeira e um copo de água para colocar a dentadura.
Dormia num banco de madeira dura, utilizava como travesseiro um livro muito grosso de pequenas ocorrências, que estava em desuso; cobria-se com a bandeira. Se gabava dessa situação, afirmando que “dormia com a mãe”. (mãe da pátria).
Era uma pessoa muito querida e competente. Encontrava-se de castigo no ABC, fizera sua carreira toda no antigo DEIC, mais precisamente na delegacia de homicídios.
Tinha uma capacidade ímpar para resolver casos de morte (homicídio, suicídio etc) com autoria desconhecida.
Costumava-se dizer, que o seu sucesso tinha a ver com o imenso tempo que utilizava no local do encontro do cadáver; ali ele media, anotava, fazia um rascunho da posição do corpo, posição dos demais objetos ao seu redor e ia aumentando gradativamente essas observações, começando pelo cadáver, chegando a vinte, trinta, cinqüenta metros desse local, aí então ele fechava as essas anotações preliminares, que iriam num futuro próximo ajudar a resolver essa morte.
Após esta fase, costumava acompanhava o cadáver até o necrotério para a autópsia, e ia conversando com o legista e anotando, montando o quebra cabeça para entender como o caso havia acontecido.
Chegavam a afirmar que em alguns momentos ele conversava com o morto, solicitando as informações que iriam encaixar e solucionar o caso...
Mas isso era lenda.
Por essas e por outras, era uma pessoa muito estimada e respeitada no meio policial.
Quando não tinha esses casos para investigar, encontrando-se no plantão, ele simplesmente procurava descansar.
Certa feita, alguns colegas com o espírito de porco latente, resolveram trocar a dentadura que estava no copo, enquanto ele dormia, por outra menor, que tinha sido abandonada no IML, que também era anexo.
Feita a troca, resolveram chamá-lo rapidamente para vir ajudar numa tentativa de fuga, que estava ocorrendo na cadeia, que situava-se nos fundos do prédio.
Ao colocar a dentadura na boca, percebeu de pronto a gozação e agiu puxando o revolver contra o autor da troca.
Este, até hoje é ignorado e deve estar correndo, ainda.
Esse impasse foi superado dias após, com o doação feita por um protético vizinho, de uma nova dentadura ao nosso herói, que já mais calmo agradeceu, argumentando dos valores sentimentais que tinha com a velha peça.
Perguntado porque faltou ao serviço desde o desaparecimento desta até aquele dia, respondeu que não saía de casa sem seu sorriso.
José Wagner Sampaio é Advogado
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