O LADRÃO DE VOTOS
Os nativos de Rego da Severina, norte do país, conhecidos como “Cheirosinhos”, nos últimos meses tinham vivido tudo quando era tipo de emoções: alegria, tristeza, frustração, raiva, euforia, revoltas, por conta da morte de Mami, a Rainha da Zona.
Em vida, Mami construiu um império, fruto de muita perseverança, paixão e amor pelo que fazia.
Com a notícia da sua morte e como proprietária da maioria das casas da zona, fato ocorrido há alguns meses, houve uma avalanche de sentimentos prós e contras, pois em vida, Mami dirigia seus negócios com mão de ferro, exigindo até o último tostão de quem lhe devia algo, principalmente aluguéis. Costumava dizer que o “dinheiro respeita, quem o respeita.” Com essa maneira de ser amealhou muitos inimigos.
Com sua morte, quem lhe devia algum ficara liberada de seus débitos, mesmo porque, Knis, seu último amásio, herdará os negócios e afrouxara os recebimentos; quem lhe devia estava adorando essa nova situação.
Por outro lado, Mami era muita admirada e estimada pelo pessoal que tinha comercio periférico na zona, porque os protegia. Embora exigente tinha um coração enorme, lutava pelos direitos desse pessoal e sempre se pautou por fazer caridade: era capaz de bancar os remédios, sepultamente, gastos escolares, desses amigos e seus filhos, espontaneamente.
E, diga-se de passagem, o comércio em torno da zona era enorme: lojas, bares, restaurantes, lanchonetes, sapateiros, pipoqueiros, vendedor de amendoim, hot dog, lembrancinhas, bugigangas, costureira, cabeleireira, seresteiros etc.
A zona possuía umas quarenta casas de prostituição, ocupando todo o bairro do Papagaio daquela cidade, e no começo da noite e no fim da madrugada o movimento desse pessoa era intenso; igual a uma feira livre, iam chegando e se instalando, e pela madrugada faziam a operação inversa, para recomeçar tudo novamente no inicio da noite. Era uma população flutuante que explorava os freqüentadores da zona, uma espécie de shopping center itinerante, mundano.
Passado algum tempo da morte de Mami, novamente o destino mexeu com os sentimentos dos locais, desta feita, Enrugadão fora morto, matado com requintes de crueldade, numa madrugada, próximo da casa de Ritona.
Como só é e poderia acontecer nesses locais de vida fácil, ninguém viu, ouviu ou sabia alguma coisa da morte, que pudesse auxiliar a polícia no esclarecimento desse fato.
Era um caso misterioso para o Delgado Dr. Grilo, e este já estava no local, fazendo o levantamento do cadáver e colhendo as primeiras informações a respeito.
Enrugadão era odiado na zona, pois era grande, forte, instável emocionalmente e violento, aliás, muito violento; gostava de bater em gente humilde, fracas e nas mulheres.
Havia inúmeros casos de agressões contra as mulheres da zona atribuídos ao mesmo e somente as putas que não o conheciam aceitavam programa com o mesmo, mas acabavam se arrependendo, porque ele as enchia de porrada; elas saiam do quarto todas roxas de pancadas. Consta que essa era a única forma do mesmo chegar ao clímax.
Única não havia um segredo, passado entre os convivas do local, e Ritona sabia bem dos fatos, porque era a única que se relaciona bem com o morto e não apanhava; consta que o mesmo era chegado numa brincadeirinha sexual: um era urna, depois invertiam etc etc.
Agora estava morto; alguém lhe enfiara algo na sua garganta, deixando-o prostrado por ali no chão de terra, sem socorro até falecer. O cadáver estava rígido, mantinha os olhos bem abertos, como que a mostrar o espanto, incredulidade diante da realidade do seu destino.
Ninguém se incomodara com a sua morte; não possuía família, a ex mulher o abandonara, os filhos idem, o cachorro também (parece música do RC), só Ritona parecia estar sentindo esse momento e cuidava de tudo desde a liberação do corpo, velório, avisos, e estava a caráter: totalmente de preto, até as anáguas.
Ritona se prontificou a ceder o salão principal de sua casa mundana, que era a melhor da zona, para o velório.
Como tinha certeza de que ninguém viria para o velório, começou a promovê-lo, como um evento, com promessas de salgadinhos, bebidas, tudo grátis e possivelmente de madrugada uns “bate-coxas” espertos, para tal contratou um conjunto local para animar o acontecido.
Os inimigos de Enrugadão e de Ritona estavam gozando a situação:
- Só faltava ela sortear brindes para promover o velório!
Na verdade, só meia dúzia de gatos pingados compareceu ao velório que começou assim que Dr. Saladão, médico oficial da zona, ginecologista-vegetariano, liberou o corpo para o evento, atestando a morte, com a aprovação do Dr. Grilo, Delegado.
O velório estava mais rejeitado do que político decadente.
Na alta madrugada não havia mais ninguém na zona, quando chegou um carro de taxi e parou do outro lado da rua, debaixo de uma árvore, no escuro, entre as sombras, desceu o motorista e foi até a casa chamar a Ritona.
- Tem uma pessoa querendo falar com você no carro do outro lado da rua, avisou o garçom Conde.
Ritona embora tenha achado muito estranho, de madrugada, no meio do velório, mas levantou-se, enrolou um chale no pescoço e foi até atender o chamado, pedindo licença aos presentes para se ausentar.
Dr. Grilo, Saladão, trebados e com a ausência da proprietária se assanharam e começaram um “bailinho”, com as putas presentes, após pedir que os músicos presentes tocassem algo.
Como não havia mulher para todos, Saladão começou a dançar com a bicha Tanajura, também presente ao evento.
Para qualquer eventualidade o Dr. Grilo e Saladão estavam no local investigando a autoria daquela morte, até então desconhecida.
- É particular disse o motorista de taxi, impedindo que Conde a acompanhasse.
Tanajura e Conde eram muito ligados. Conde não tinha sangue azul, nem pertencia à dinastia nenhuma, tinha esse titulo Conde, por causa de uma condenação no passado, quando ele e Tanajura aplicaram “o golpe do suadouro”.
Ritona aproximou-se da porta de traz do taxi, que estava aberta, e após firmar os olhos na escuridão, levou um susto, quase morreu de susto.
- Olá amiga, tudo bem?
- Tudo bem o que Mami, você desencarnou? Você morreu ou não?
- Morta o escambau, estou vivinha e voltei para assumir o que é meu........
Continua na próxima publicação, fique atento!
Wagner Sampaio é Advogado
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