Se o tempo fecha, a noite desanda, o computador trava, o flanelinha some, meu amigo, “deu ruim”. Simples assim. É uma gíria que ninguém sabe de onde veio, quem inventou, só se sabe que não pressupõe o seu oposto: “deu ruim” é “deu ruim”, ponto. Não é o contrário de “deu bom”. Quem ainda não escutou a curiosa expressão por aí certamente vai ouvi-la nos próximos meses. E principalmente nas praias, onde os modismos de verão chegam primeiro, com o balanço das ondas do mar.
“Deu ruim” segue mais ou menos a lógica do neoverbo “sensualizar”, que, salvo engano histórico-filológico, popularizou-se nas colunas de notícias de celebridades. Tem um significado etéreo, quase irreal. Eu sensualizo, tu sensualizas, Nicole Bahls sensualiza. Quando o namoro com o cantor Belo “deu ruim”, por exemplo, a modelo Gracyanne Barbosa “sensualizou” por aí.
Fã de Belo, o cantor e compositor Caetano Veloso também é um dos que vão lançar gíria nova para o verão: “Abraçaço”, nome do seu disco recém-lançado, é uma palavra que não existe em português. Inventada por ele, segue a lógica tropical-caetanística de criar novas maneiras de olhar o mundo. Ao divulgar o nome do CD no seu Twitter, há duas semanas, ele explicou: “Uso essa palavras às vezes para finalizar e-mails. Acho graça. É como golaço, jogaço, filmaço.” Em outro post, completou: “Abraçaço é o mais lindo porque há a repetição do cê-cedilha. Parece um eco, um reverb verbívoco-visual. E sugere não só um abraço grande mas também um abraço espalhado, abrangente, múltiplo.”
A lista de novas gírias que prometem “sensualizar” no verão é grande: oriundas da internet, as populares “sem filtro” (que evoca, com ironia, a atual mania de enxergar as coisas pelos filtros do Instagram), “trolar” (do inglês, to troll: sacanear, zoar) e “xatiado” (que significa chateado, em “miguxês”, a língua dos “miguxos”, gíria de outros verões). “Só que sim/só que não” servem para ironizar qualquer coisa. Por exemplo: “Eu tô ‘xatiada’. Só que não.” Importada de São Paulo, “se pá” quer dizer “talvez” e já circula nas agências de publicidade cariocas, assim como “tá pago”, para dizer que um trabalho acabou.
Se está muito quente, os “lelesques” da praia dizem que está “milgrau”. Entre os skatistas, o skate agora é chamado de “carro”.
Há ainda as gírias recém-nascidas no circuito GLS, como “não tenho roupa”, para dizer, com graça, “não estou preparado para tal situação ou para frequentar tal ambiente ou pessoa”. É recorrente em salões de beleza, durante a leitura de revistas de fofoca. “Não tenho roupa para o Roberto Justus”, por exemplo. “Divar” e “sou” também são novidades do vocabulário.
Com o faro apurado para o que ouve por aí, o humorista Fernando Caruso explica as duas expressões:
— Quando você gosta muito de alguma coisa, você diz que é aquela coisa. Até para as mais abstratas. Assim: Eu “sou” praia aos domingos! — explica Caruso, que adapta tudo o que percebe de novidade no linguajar para seus espetáculos de stand-up comedy. — E “diva” virou um verbo, o “divar”. Quanto você faz algo digno de uma diva, você “divou”. De preferência, com a separação silábica e a quebra de pulso: “Menina, adorei, você di-vou.”
Para o glossário de 2013, outro humorista faz as previsões: as expressões “Brasil” e “sua linda”, diz Fernando Ceylão, seguem usadas como vocativo genérico ou ponto final.
— Tipo “entendeu essa, Brasil?”, ou “friozinho, seu lindo”— exemplifica Ceylão, também adepto de “amo”. — Já reparou que nego agora fala “amo” sem parar?
Saindo da orla, as gírias que brotam nas comunidades cariocas são ainda mais criativas: no Cantagalo, quem gosta de se produzir para sair, fazer reflexo no cabelo e sobrancelha, usar piercing e perfume importado é “sarna”. Entre o pessoal que dança o passinho, fala-se muito “rabiscar” para quem dança bem.
Kinho Mister Passista, o nome artístico de Marcos Paulo Torres, um dos melhores dançarinos de Cidade de Deus, é quem reúne os vocábulos mais comuns:
— A gente fala “embrasar” em vez de dançar; “novinha” em vez de menina; “rebolão” para dançarino — explica Kinho. — Tem uma que a gente usa também que é “sharingar” que significa copiar o passo, por causa de um desenho japonês que tinha um personagem chamado Sharingan. Ele tinha um olho que tudo o que ele via, automaticamente, copiava. Esse passo você “sharingou” significa que o “rebolão” copiou, tá fazendo igual.
Como falar carioquês:
Abraçaço. Inventado por Caetano Veloso, o termo batiza seu novo disco. Significa “um abraço espalhado, múltiplo”.
Deu ruim. Deu errado, não funcionou.
Baralhão. Situação em que tudo é possível, um grande baralho.
Divar. Fazer a diva.
Sensualizar. Fazer a sensual.
Sem filtro. Uma alusão ao uso recorrente dos filtros do aplicativo Instagram.
Só que não/só que sim. Oriundas das redes sociais, as expressões não significam nada, mas reforçam a ironia das conversas.
Não tenho roupa. Gíria gay que significa “não estou preparado para tal situação”.
Trolar. Sacanear, zombar. Do inglês to troll, muito usada para falar de memes da internet.
Tá pago. Está resolvido.
Se pá. Talvez.
Sarna. Gíria muito usada nas comunidades da Zona Sul: se o moleque está produzido, montado, com acessórios e cabelo em dia, está “sarna”.
Lelesque. Uma variação de “moleque”, “leque” e “lesque”, o “lelesque” é aquele surfista ou skatista que vive na praia, toma açaí e só fala gírias. O garoto carioca clássico.
Milgrau. Tá calor demais? Tá “milgrau”.
Rabiscar. Dançar bem, no dialeto do passinho. Fulano tá “rabiscando”...
Xatiado. Do “miguxês”, dialeto praticado pelos jovens na internet. Significa, simplesmente, chateado.
Embrasar. Dançar.
Carro. Skate.
Novinha. Menina, gatinha. Não é obrigatório ser jovem.
(Fonte: O Globo)
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