O COLAR DE ANNUNCIATA (*)
Eles formavam o casal 20, daquela cidadezinha
Começaram a namorar ainda crianças e se transformaram rapidamente em adultos. Transformação bem visível em seus corpos; ela se tornou numa linda mulher, uma fêmea no esplendor de suas curvas, peitos, bundas, lábios carnudos. E, como dizem as más linguais, com intenso libido. Ele porém manteve as características do seu tronco familiar, além de austero, sério.
As mesmas más línguas diziam, que ele entendia que o sexo era só pra procriar; tanto é verdade que eles não conheciam um motel.
O namoro do casal 20 foi longo e testemunhado por toda a comunidade, fato que é corriqueiro em cidades pequenas: todos sabem tudo, absolutamente tudo o que acontece ao seu redor. Ali não seria diferente.
Cresceram namorando, testemunhado e aprovado por todos.
Tudo parecia um sonho bom, o destino porém lhes reservou uma surpresa: uma tragédia, que é bem mais comum do que se pensa, nas relações entre um homem e sua mulher.
Ele era um jovem austero, econômico!
Em todas as tragédias de amor, há um pequena porcentagem de espontaneidade, o resto é auto-sugestão, auto-exaltação. Para não sofrer basta que se suprima, e é facílimo, aquela pequena parte de espontaneidade. É aceitar a vida como ela vem, pensando, que para tudo existe remédio, para o veneno, o contraveneno, para a chuva, a capa, para o casamento, ou austeridade do namorado o adultério.
A tragédia tomou formas, quando certo dia, aproximando-se de um amigo comum, embora estando com o namorado, ela sentiu um pequeno frenesi percorrer-lhe o corpo.
O que será isso, pensou aquela menina-moça imatura?
À noite, durante o sono, ela se transformou em outra pessoa, teve pesadelos, sofreu pequenos, intensos e prazerosos ataques epiléticas, quando uma sequência elétrica sacudiu intensamente seu corpo; os nervos ficaram abalados, teve aceleração do ritmo cardíaco, a boca secou, perdeu o controle e a consciência sobre si, parecendo que uma força superior lhe possuíra, tinha a impressão que a sua alma projetara-se para fora de seu corpo, um lampejo de pensamento admitiu que estava morrendo ou estava ficando louca, em seguida sentiu um vulcão milenar erupir de suas entranhas e uma satisfação intensa tomou conta de si, flutuou, sentiu-se no Paraíso; em seguida foi se reintegrando, tomando forma, uma paz intensa chegou e adormeceu num sono profundo e reconfortante.
Acordou com muita fome.
Enquanto sorvia o café fumegante, todas essas experiências, até então desconhecidas, vieram-lhe à cabeça. O que lhe aconteceu? O que estava faltando? Pensou o dia todo nesse assunto e após todas essas inquietações chegou a conclusão: Descobriu-se mulher!
Era a natureza fazendo a sua parte na história da vida, nada mais que isso!
A segunda parte da tragédia começaria a tomar formas: como contar isso ao namorado, vez que, ele era muito jovem e austero.
Em amor, como em política, é preciso ser jovem para tentar um golpe de estado! Ela tentaria, era a oportunidade para despertar seu namorado.
Conseguiria? Essa dúvida a atormentava. Possuía o namorado, agora precisa conquistá-lo totalmente. Teria êxito na tarefa? Tinha mais duvidas que certeza.
Naquele mesmo dia começou a insinuar-se para o namorado; para tal vestiu-se com uma Mata-Hari, bolou um plano e passou à execução.
No fim da noite, constatou: era um fracasso como mulher e amante!
Foi uma noite de sono, sem dormir, rolando-se de um lado para outro na cama, com o pensamento fixo: Era um tremendo fracasso !
Na manhã seguinte resolveu ter uma conversa franca com o mesmo, mas o inusitado a esperava, um “acidente do trabalho do cupido”.
Ao sair de casa, pegou uma carona com o melhor amigo, aquele mesmo que lhe causou o frenesi.
Pensou rapidamente em testá-lo para ter certeza, se era um fracasso como mulher ou o problema não seria seu.
No amor quase tudo é voluntário, até o desespero. Dois corpos sentem que são belos e se procuram, se encontram e se enlaçam sem se ver... Isso é sinal de que uma vontade superior, clarividente os guia. Uma vontade eterna que não conhece, nem as leis dos homens ou mulheres, muito menos dos hipócritas! E foi o que aconteceu.
Cinco minutos depois estavam se amando intensamente no Motel Bem Casado. Ficaram três dias e três noites na suíte Vip, aquela que tem o colchão de água, etc etc, não perceberam o tempo passar, para desespero de todos.
Como só poderia acontecer a comunidade tomou conhecimento desse fato e exigia explicações do Casal 20.
Ela o abandonara e fora morar com o melhor amigo.
Isso abalou a família do rapaz, que fez uma reunião para decidirem o que fazer com ..., com o..., com o chifre, digo, com o caso.
Todos reunidos começaram os debates.
Terminada a reunião a família decidiu que o rapaz deveria lavar sua honra, com sangue.
Mas ele além de austero, revelou-se covarde, e em defesa alegou para os seus:
- Saber que um amigo nosso é amante daquela que foi nossa mulher, é uma espécie de Colar de Annunziata, o que nos torna primos!
Silêncio, todos ouviram, não acreditaram, mas era consenso:
Além de austero e covarde, era também corno!
O pai era mais cético, continuou em silêncio profundo pensando: O Dom Juan conquistou sua nora. Para ele, seu filho, acabou, é melhor dedicar-se à cultura do bicho da seda, à pesca de diamantes, à melhora da raça dos coelhos, assistir o julgamento do mensalão, mas não ao amor!
Wagner Sampaio é Advogado
(
* PITIGRILLI – O Colar de Afrodite, 5.ª Edição, Editora Vecchio Ltda, Rio de Janeiro, p. 14/7. Obs; a obra, rara e histórica, me chegou as mãos emprestada, após seguro contra qualquer eventualidade, pelo amigo e leitor Eugênio Homenko).
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