Enquanto alguns cientistas conseguiam com sucesso diminuir o tamanho de provetas, tubos de ensaio e centrifugadoras para caberem em caixas de alumínio que custam US$ 50 mil, George Whitesides tinha outros sonhos
O teste de diagnóstico criado pelo laboratório de química em que Whitesides trabalha, na Universidade de Harvard, é do tamanho de um selo postal e custa menos do que um centavo de dólar.
Você sabe qual é o segredo? O papel. Seus colegas miniaturizaram testes de diagnóstico para conseguir entrar nos campos com bombas minúsculas e tubos da espessura de um fio. Whitesides optou por uma abordagem mais inovadora, argumentando que uma gota de sangue ou urina poderia se deslocar por um pedaço de papel filtro sem qualquer intervenção.
Se nesse papel forem gravados pequenos canais para o sangue percorrer e eles estiverem cobertos de proteínas secas e corantes que reajam a substâncias químicas, então, o pedaço de papel do tamanho do polegar pode se transformar em um pequeno laboratório. Um laboratório que poderia ser impresso aos milhares por uma máquina copiadora.
Há quatro anos, ele fundou a Diagnostics for All na área de Brigton, aqui em Boston, para comercializar as suas ideias. A empresa privada já criou um teste que detecta problemas no fígado.
Para realizar o teste, que dura 15 minutos, é necessária apenas uma gota de sangue. Além disso, é possível lê-lo a olho nu. Se uma mancha redonda e minúscula mudar de cor-de-rosa para violeta, o paciente provavelmente corre risco.
Usar papel nos testes de diagnóstico não é algo completamente novo. Ele está na fita que absorve a urina nos testes de gravidez e o sangue nos testes de diabetes. Contudo, Whitesides patenteou os modos de controlar o fluxo usando várias camadas para obter diagnósticos cada vez mais complexos. Na avaliação realizada com amostras previamente analisadas pelo laboratório do Centro Médico Beth Israel Deaconess, do hospital universitário de Harvard, foi comprovada uma precisão de mais de 90 por cento, segundo Una S. Ryan, presidente da Diagnostics for All.
”A precisão deve aumentar se for usado sangue recém-retirado’’, acrescentou a bióloga. Estão programados testes de campo na Índia para o final do ano: Inicialmente, ele se destina a doentes de Aids com tuberculose, que precisam tomar coquetéis compostos de sete ou mais medicamentos.
Alguns dos medicamentos prejudicam o fígado, sendo que a morte por insuficiência hepática é 12 vezes mais comum entre os pacientes africanos com HIV do que entre americanos, afirma Ryan. Isto porque, os testes de função hepática são caros e requerem a retirada de tubos de sangue.
O teste em papel foi desenvolvido com um financiamento de US$ 10 milhões da Fundação Bill e Melinda Gates.
A fundação e o governo britânico doaram apenas US$ 3 milhões para a criação de mais três testes em papel com o objetivo de ajudar pequenos fazendeiros.
Um deles é o teste de afloxina, veneno produzido pelo bolor, que se forma em grãos de milho, nos amendoins e em outras culturas. Em grandes quantidades, ele pode levar ao aparecimento de câncer e se ingerido regularmente por crianças, mesmo em pequena quantidade, pode levar a um atraso no desenvolvimento.
Os fazendeiros que conseguem provar que suas culturas não possuem o bolor podem proteger as famílias e conseguir um preço melhor pelas culturas.
Contudo, os testes atuais custam US$ 6 – um preço que está longe das possibilidades dos fazendeiros. Um teste de papel que utilizasse a água que passou pelo grão poderia ser produzido por apenas 50 centavos de dólar. A produção em grandes quantidades poderia reduzir o custo para alguns centavos.
O segundo teste verifica a deterioração do leite causada por bactérias.
Muitos produtores de leite guardam o produto em um tonel único nas cooperativas de que fazem parte. Dessa forma, uma vaca doente pode contaminar todo o lote.
O teste atual detecta apenas a acidez causada pela bactéria, que não é muito peculiar e pode ser destruída adicionando-se uma base química, como a cal.
Um teste barato o bastante poderia ajudar a cooperativa a encontrar o produtor que causou o mal e também auxiliá-lo a descobrir qual é o animal doente.
O terceiro teste proposto detecta os hormônios liberados pela urina da vaca quando ela está prenhe. Atualmente, os fazendeiros precisam observar mudanças no comportamento do animal e realizar exames físicos que representam um risco para a cria, pois o útero é apalpado pela parede retal, podendo causar lesões no feto.
”Os produtores prosperam criando vacas’’, afirma Patrick Beattie, chefe de operações de saúde globais da Diagnostics for All. ”Eles precisam de testes de melhor qualidade’’, afirma.
O escritório da empresa aqui na cidade não é nada extravagante. O espaço foi sublocado de uma empresa de nanotecnologia e fica em um centro empresarial cujo lugar de honra pertence a uma concessionária Acura. Metade do laboratório está ocupada por pilhas de refugo tecnológico, abandonadas pelo locatário anterior.
Além disso, mesmo com a complexidade de raciocínio para desenvolvê-lo, os testes são produzidos com uma tecnologia simples e de baixo custo. As folhas de papel filtro são cortadas manualmente e introduzidas em uma impressora de escritório de US$ 800 da marca Xerox que usa cera preta térmica no lugar de toner. Em uma folha de 21,59 por 27,94 centímetros cabem exatos 132 testes, que se parecem com enormes botões de camisa.
Em seguida, ela é colocada por alguns segundos em uma caixa para aquecimento – um executivo chamou-a de ”forno miniatura de US$ 5 mil’’ – para fazer com que a cera penetre no papel, produzindo os canais.
No início, Whitesides usava um plástico que endurecia sob luz ultravioleta. Contudo, o processo com cera é mais barato e rápido. Os reagentes são colocados manualmente com o uso de uma pipeta. Essa tarefa entediante poderia ser automatizada, mas a máquina para isso não está no orçamento, afirma Ryan. Em seguida, um instrumento guiado por computador corta os ‘botões’.
Assim, várias camadas são produzidas e depois aderidas entre outras duas folhas e laminadas. Finalmente, cada lote é lacrado dentro de um envelope de papel laminado para mantê-los longe da umidade e da luz do sol.
Em uma entrevista concedida em seu escritório, no prédio principal de química de Harvard, Whitesides contou a origem de sua ideia.
Há 20 anos, ele começou a trabalhar com microfluidos. Na mesma época, o Pentágono procurava por um ‘laboratório em um chip’ que os soldados pudessem carregar consigo para detectar armas biológicas, como antraz e tularemia.
Como para as forças armadas os custos não representavam um grande problema, era possível utilizar polímeros caros.
”Porém, eles eram muito caros para o mundo em desenvolvimento’’, afirma, ”por isso, eu pensei, ‘qual a forma mais barata de produzir modelos e colocar produtos na área de testes?’ Então, em minha mente surgiram os jornais e as revistas em quadrinhos, o que me levou a pensar em testes de diagnóstico de papel’’.
Whitesides vê diversas possibilidades de melhoria. O teste de função hepática usa propriedades químicas. A última geração usará imunologia – por exemplo, um projeto possui anticorpos secos presos a uma pequena quantidade de tinta que se movimenta através da superfície onde estão presos outros anticorpos. A tinta que passa por ele fornece a cor à reação.
Depois disso, ele planeja desenvolver um equipamento semelhante a um monitor de glicemia – que funciona com bateria e é utilizado por diabéticos – porém, em um chip descartável, que utilize circuitos flexíveis gravados com tinta misturada a metal e LEDs com menos de 1 milímetro de diâmetro.
Além disso, ele antevê um chip que contará quantas células da gota de sangue têm parasitas da malária.
A multiplicação do DNA, parte essencial do teste para detectar o vírus – é um grande obstáculo, uma vez que ela requer aquecimento e resfriamento frequentes.
”Eu não imagino minha equipe realizando sequenciamento’’, afirma. ”Isso será realizado em uma caixa de alumínio. Porém, ainda estamos longe de chegar ao fim do que pode ser inventado’’.
Por ora, Whitesides está ansioso para ver a comprovação da utilidade de suas invenções no mundo real. ”Eu soltarei um suspiro de alívio quando alguma pessoa disser ‘nós usamos os primeiros 10 mil em nossa clínica e achamos fabulosos. Envie-nos mais 50 mil’.
No devido tempo, Ryan explicou que o objetivo da Diagnostics for All, empresa sem fins lucrativos, é libertar-se do financiamento licenciando sua tecnologia de chip para empresas comerciais.
Por exemplo, o corredor de maratona talvez consiga encostar o chip em sua testa cheia de suor para verificar a quantidade de eletrólitos antes de beber mais água. Americanos que têm colesterol alto e tomam estatinas, substância que também causa problemas no fígado, podem monitorar rotineiramente as suas enzimas coletando sangue através de uma picada no dedo.
Mercados como esses podem fornecer fluxos de rendimento para a empresa que contribuiriam grandemente com a pesquisa na África, afirma Ryan.
”Contudo, haverá grande resistência dos laboratórios, pois esse é o ganha-pão deles’’, afirma.
O teste de diagnóstico de George Whitesides avalia o nível de aspartato transaminase no sangue. Mais conhecida como AST, a enzima é liberada quando as células do fígado se decompõem.
1. Uma gota de sangue é colocada na parte de trás do pedaço de papel. Primeiro, o líquido penetra na membrana porosa, que bloqueia os glóbulos vermelhos e brancos, permitindo apenas ao plasma atravessar.
2. A próxima camada contém duas substâncias químicas secas, uma é o ácido cisteinossulfínato, que se assemelha quimicamente ao aspartato, o aminoácido a que o AST normalmente se liga. (Essas substâncias químicas estão disponíveis nas lojas de suprimentos para laboratório.)
3. Se o AST estiver presente, ele se liga às duas substâncias, causando uma reação que, no final, libera íons de sulfito, o SO3.
4. A próxima camada contém o corante metil que normalmente é azul, mas fica transparente quando o sulfito se liga a ele. Ela é impressa sobre um fundo cor-de-rosa, para que a mancha pareça violeta. Se a cor da camada mudar para rosa, o sangue contém níveis preocupantes de AST. (Fonte: Portal iG)
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