As águas do rio que passa perto da casa de Helton ficaram marrons no sábado. Alguns peixes começaram a morrer, trazendo até a sua porta o rastro de uma tragédia que já o atingira duramente no dia anterior.
Sua mulher e sua irmã trabalhavam no refeitório dos funcionários da Vale na mina de Córrego do Feijão, sepultado na sexta-feira passada pela maré de barro que arrasou a pequena cidade mineira.
Desde então, o tempo parou na humilde casa às margens do Paraopeba, cujas águas marrom-avermelhadas lembram o tempo todo de uma tragédia que deixou, por ora, 84 mortos e 276 desaparecidos.
“Dizem que as buscas estão frequentes, mas o ponto de acesso onde elas estavam é muito crítico. São 15 metros de profundidade de barro”, explica, abatido, esse operador de cargas de 28 anos, que ainda não sabe como dizer a seu filho de 8 anos onde está sua mãe.
Seus olhos inchados observam o rio passando, bem diante de sua casa, em uma ponte suspensa que conecta a estrada regional com uma exuberante mata atlântica.
Há apenas cinco dias, essa água era cristalina, como mostram as fotos no celular de Helton Adriano, e onde se pode ver seu filho brincar com o Paraopeba ao fundo.
Pouco depois do meio-dia de sexta-feira, a cerca de 20 quilômetros dali, a barreira I do Córrego do Feijão arrebentou. Expeliu 12,7 milhões de metros cúbicos de resíduos tóxicos sobre a área administrativa da mina, onde muitos dos funcionários da Vale almoçavam, e prosseguiu com sua onda de destruição.
Servindo a comida, como todos os dias, estavam Carla – a irmã 35 anos de Helton – e Samara, sua esposa, de 28.
Com um fio de voz, Helton recorda de quando lhes dizia para arranjar outro emprego, porque ouvia rumores sobre os perigos da represa.
Mas não é fácil arrumar trabalho nesta região em que a economia depende principalmente das minas da Vale.
“Eu pedi para elas saírem, e elas falavam: não, porque precisamos do emprego”.
Cercado por inúmeras barreiras que ninguém sabe exatamente em que condição estão, muitos sempre ouviram rumores sobre os riscos das represas que armazenam os rejeitos da mina do Córrego do Feijão. Mas ninguém fazia nada.
“Eles sabiam que ia arrebentar. Sabiam. Os meninos que trabalham lá tinham medo de denunciar (as mineradoras) e serem mandados embora”, lamenta Vanderlei Alves, um caminhoneiro de 52 anos, que perdeu vários amigos.
– Até o São Francisco –
A camada superficial da água arrasta sedimentos leves, enquanto o barro vai se acumulando na parte inferior.
Chuvas fortes poderão aumentar o potencial nocivo que ainda está sendo avaliado, mas já salta aos olhos.
Segundo o Fundo Mundial para a Natureza (WWF-Brasil), foram perdidos aproximadamente 125 hectares de matas, o equivalente a 125 campos de futebol, e a maré avança a 1 km/h.
A Agência Nacional de Águas (ANA) avalia que a onda de resíduos e barro chegará entre 5 e 10 de fevereiro até a hidroelétrica Retiro Baixo, a 300 km do Córrego do Feijão.
O temor é que alcance o São Francisco, 30 km abaixo de Retiro Baixo.
– Peixes mortos –
A poucos metros da casa de Helton, uma equipe de especialistas ambientais toma notas e quebra o silêncio apenas para perguntar a um menino se viu peixes mortos.
“Muitos!”, responde o garoto.
O nível do desastre ainda tem de ser determinado, mas os moradores locais temem pelo pior.
“A maioria das pessoas aqui são muito rurais, ribeirinhos. Então usamos o rio Parapeba como alimento, pela pesca, e para canalizar a água e regar a horta, e agora não se pode mais fazer isso”, lamenta Leda de Oliveira, uma cuidadora de idosos de 31 anos.
A família de Helton também será afetada, apesar de, no momento, ele não estar pensando nisso.
“Dizem que é perigoso, que há um alto risco de contaminação. Mas a gente não está tão preocupado com a questão dos peixes, porque a gente está com o foco nas buscas”, completa ele, conformado em continuar olhando as águas marrons do rio. (Fonte: AFP)
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