"O GLUTÃO"
...A mulher achou estranho o leiteiro tocar a campainha pela segunda vez. Tinha a impressão que o leiteiro já havia passado por sua casa e fora atendido pelo marido, como sempre acontece de madrugada. Seguramente ouviu barulhos na sala. No entanto, antes que tocasse de novo e acordasse todo mundo, levantou-se. No trajeto entre o quarto e a porta da sala, pensava no marido; provavelmente ele adormecera no sofá, cansado, como costumeiramente faz, por isso não atendeu ao leiteiro.
Não acendeu a luz; caminhou na penumbra até a porta; não queria perturbar; achou estranho que a porta estivesse semiaberta.
Pegou os litros de leite que estavam na soleira da porta, retornou devagar para não esbarrar em algum objeto, derrubando-o e fazendo barulho.
Viu o marido dormindo, caído no sofá, largado, caído de lado. Quando ele dorme desse jeito fica com dor no corpo. Era melhor acordá-lo, para que fosse dormir na cama.
Aproximando-se percebeu que o marido estava todo ensanguentado no peito; chamou os vizinhos para socorrê-lo, e antes de ser removido constataram que já estava morto. O caso era para policia.
Os policiais chegaram e fizeram muitas perguntas; examinaram tudo e removeram o corpo para o IML.
Ficou constatado que seu marido falecera vítima de vários disparos de arma de fogo, mais ou menos no mesmo horário em que a campainha tocou. Os disparos foram feitos à queima-roupa e o agressor procurou atingi-lo na altura do peito e cabeça.
Como os tiros não foram ouvidos, concluíram que o matador utilizou silenciador ao executar a tarefa.
Após o enterro, acompanhando as investigações a mulher, que pouca sabia das atividades profissionais do marido, descobriu que ele era agiota e possuía vários desafetos.
Por outro lado o número de amigos era muito maior; a lembrança que ficara é de quando ele reunia os amigos no sitio da família, para fazer um carneiro assado, sua especialidade.
Ele cozinhava muito bem e comia muito. Era um verdadeiro glutão. Era os amigos marcarem um evento que ele se incumbia do cardápio; assumiu as tarefas com muito prazer; sua especialidade era carne de carneiro, e ele escolhia um pequeno, de no máximo 15 kg; limpava-o com um capricho cirúrgico; depois começava o preparo da vima d´alho, onde o bicho era deixado de um dia para o outro; recheava-o e levava-o para assar na churrasqueira ao ar livre. Utilizava-se de madeira perfumada como carvão e ia assando o animal lentamente; enquanto assava ia umedecendo-o com suco de laranja, uísque do bom e ervas.
A degustação era um manjar dos Deuses; o perfume do assado o vento se incumbia de espalhar por léguas e léguas alcançando todos os vizinhos rurais.
Os inimigos conheciam todos os gostos e manias da vítima e inclusive que ele comia muito, assistia televisão até de madrugada e ficava com a porta da entrada da casa entreaberta à espera do leiteiro. O seu algoz aproveitou-se dessa rotina da vitima e possivelmente passando-se pelo leiteiro aproximou-se e a executou.
O crime até recentemente estava no esquecimento; e quando mais tempo passa menos prova existe. Até que policiais retornaram ao caso foram separando alguns suspeitos e devedores da vítima, que passaram a ser investigados; alguém se lembrou de chamar o guarda noturno da rua, se houvesse, para depoimento; qual foi a surpresa da informação de que existia e desde o fatídico dia desapareceu, abandonando o posto.
Concentrada a investigação em cima dessa pessoa descobriram que o mesmo encontrava-se morando no Norte do País; localizado foi preso e interrogado, confessando que fora contratado para matar a vitima.
O mandante do crime, no passado tinha sido arruinado comercialmente pela vítima que lhe cobrava juros extorsivos, e diante da situação em que se encontrava, em momento de desespero, não titubeou em mandar mata-lo.
Wagner Sampaio é Advogado
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