Progressos clínicos e tecnológicos na área da imunologia indicam que será possível desenvolver vacinas contra Aids e malária nos próximos dez anos, diz artigo publicado na revista “Nature” desta semana
Segundo o pesquisador italiano Rino Rappuolli e o americano Alan Aderem, que assinam o texto, o combate à Aids e à malária ainda é o maior desafio mundial em saúde pública do século 21.
Junto com a tuberculose, essas duas doenças infecciosas matam quase cinco milhões de pessoas por ano no mundo. Apesar de ainda não haver vacinas disponíveis, os cientistas apostam no avanço da computação e na chamada biologia sistêmica, que estuda a interação entre elementos biológicos (como proteínas, genes, RNA e outras moléculas), para chegar cada vez mais perto de uma resposta imune contra esses males.
A aceitação de um indivíduo a uma vacina depende de inúmeras interações de fatores genéticos, moleculares e ambientais. Por isso, segundo o infectologista e imunologista Esper Kallas, da Faculdade de Medicina da USP, a abordagem do futuro para a produção de novas doses deve contemplar “tudo ao mesmo tempo”. “Esses sistemas geram quantidades fenomenais de dados em computador, por meio de modelos matemáticos, para encontrar relações e padrões que levem a alguma descoberta”, disse. É o que os norte-americanos chamam de “mineração de dados”, que pode servir para encontrar regras no meio do caos.
Como a quantidade de características imunológicas no conjunto de dados mundial excede a capacidade da mente humana, o objetivo é chegar a modelos precisos e detalhados o suficiente para prever se as novas vacinas terão sucesso. Para o imunologista David Watkins, da Universidade de Wisconsin, que está em São Paulo para conhecer o Instituto Butantan, os resultados de vacinas contra HIV em macacos são encorajadores. “Em um estudo publicado há duas semanas na ‘Nature’, 50% dos animais foram protegidos do vírus, e agora temos que entender por quê”, afirmou.
No início dos anos 1980, quando o HIV foi descoberto, os cientistas acreditavam que poderiam combater a Aids da mesma forma que a hepatite B: usando fragmentos do vírus em leveduras e depois separando-os do fungo. Esse material “puro”, uma vez inserido no corpo humano, faz uma simulação de infecção natural que leva à imunidade. O problema é que o HIV tem altíssima capacidade de mutação, e em menos de um dia já não é mais o mesmo. Já o micro-organismo causador da malária se modifica, em média, a cada dez anos, e o grande problema nesse caso é que o protozoário Plasmodium dribla os anticorpos.
“Ainda não há um meio de reproduzir um vírus do HIV que seja representante dos demais. E o que dificulta tanto uma vacina contra essas doenças é que os vírus (ou bactéria, no caso da tuberculose) só se multiplicam dentro das células, então ficam protegidos”, explicou Kallas. Os anticorpos, por sua vez, costumam agir do lado de fora, não atingindo os agentes patogênicos.
Os pesquisadores concluem no artigo que ainda há complexos mecanismos imunológicos não completamente compreendidos pela ciência. Mas um modelo inovador de exames clínicos, que testam várias vacinas em paralelo e obtêm informações pela biologia sistêmica, deve acelerar o desenvolvimento de vacinas e aumentar a compreensão do sistema imunológico humano em um futuro próximo.
Aids, malária e tuberculose no mundo – Desde o início da pandemia, a Aids causou mais de 25 milhões de mortes, e hoje há 33 milhões de pessoas vivendo com o HIV. Por ano, são 2,6 milhões de novos casos e 1,8 milhão de mortes. Já a malária acomete 225 milhões de pessoas por ano e causa quase 1 milhão de mortes. Além disso, cerca de um terço da população humana está infectada pelo bacilo de Koch (Mycobacterium tuberculosis), com 9,6 milhões de novos casos e 1,7 milhão de mortes por ano. E essa bactéria tem se tornado cada vez mais resistente a antibióticos.
Como um de seus Objetivos de Desenvolvimento do Milênio, a Organização das Nações Unidas (ONU) tem estimulado os países a controlar e reverter a propagação dessas doenças até 2015. Para atingir a meta, a ONU conta, principalmente, com a expansão de tratamentos, educação e medidas básicas, o que inclui uso de preservativos contra a aids e de mosquiteiros em camas contra a malária.
A vacinação, que geralmente é a intervenção mais eficaz no controle de doenças infecciosas, não foi incluída no plano da ONU, porque as doses não devem estar disponíveis dentro desse prazo.
Especificamente no caso da tuberculose, a vacina BCG – aplicada em recém-nascidos no Brasil e não usada nos EUA, por exemplo – ainda causa controvérsias. Isso porque ela é capaz de prevenir a disseminação da doença e a mortalidade em recém-nascidos e crianças, mas não evita a infecção crônica nem protege adultos, idosos e pessoas com deficiência imunológica. “Há algumas ONGs internacionais que trabalham na produção de uma vacina melhor contra a tuberculose”, disse Kallas.
De acordo com ele, os pesquisadores atualmente conhecem a fundo o sistema imune, a interação entre hospedeiros e parasitas, mas o campo da vacinologia ainda tem muito a avançar. “Precisamos de novas ideias, abordagens e fronteiras. Investimentos em vacinas devem ser feitos a longo prazo, a perder de vista, e podem mudar a vida da humanidade. É o que faz a Fundação Bill e Melinda Gates, que se concentra em combater a Aids, a malária e a tuberculose pelo mundo”, destacou o médico.
Dengue – A vacina contra a dengue, segundo o médico, deve ser uma realidade em breve. E a dose será a forma mais eficaz de combater a doença, já que o mosquito Aedes aegypti se urbanizou e ficou praticamente impossível erradicar o problema nas grandes cidades.
O Instituto Butantan atualmente faz uma parceria com o Instituto Nacional de Saúde dos EUA e a Universidade Johns Hopkins para o desenvolvimento dessa vacina. Testes preliminares em humanos já estão sendo feitos. E a ideia, segundo Kallas, é que a dose contemple os quatro tipos de vírus da dengue e seja aplicada preferencialmente em crianças, que costumam ser o grupo mais suscetível. (Fonte: G1)
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