.....O lugar, a cabeceira, era o mais importante e cerimonioso. A sua esquerda sentava-se sua ex mulher; à direita, a atual; ao lado da esposa e da ex, suas filhas e maridos; o ex genro e seu novo par e nos demais lugares todos os netos do primeiro e segundo casamentos da filha.
E todos se dando maravilhosamente bem!
Como isso seria possível?
Sua atual esposa e a ex pareciam conhecerem-se há séculos; o tempo todo trocavam confidencias, falando uma ao ouvido da outra, fazendo conchinha com a mão, sorrindo maliciosamente...
Adorfinho estava estarrecido com aquele primeiro encontro de todos; não sabia como proceder, o que falar, que assunto abordar. Sentia-se parafusado com o rabo na cadeira, sem poder se mexer. Pensou, pensou e resolveu continuar calado, esperando o que iria acontecer, só na expectativa, no aguardo dos acontecimentos.
A iniciativa da reunião foi da ex esposa, que insistiu muito que todos estivessem presentes; justificava que o Natal é o momento maior da humanidade, momento de se aparar as arestas, de deixar pra lá qualquer rusga, de todos se conhecerem melhor, afinal de contas eram uma grande família, etc etc.
E que rusga, do tamanho de um bonde! Não conseguia se esquecer do dia em que os fatos eclodiram e culminaram com sua separação.
Deixou a primeira esposa em solidariedade ao genro! Sua única filha após pouco tempo casada, resolveu separar-se do marido porque se apaixonara por outro; o mesmo que a acompanhava no almoço.
Num dia trouxe a novidade, no outro estava separada. Marcaram uma reunião familiar para resolver esse problema; Adorfinho era terminantemente contra a separação da filha; e foi voto vencido. A esposa não lhe deu razão, nem ouvidos, ficando ao lado da filha; aliás no auge da discussão chamou-o de ultrapassado e outras ofensas pessoais.
Seu ex genro era gente muito fina; tinha pelo mesmo o maior apreço, tratava-o como filho, e este retribuía. Na sua ótica não havia genro melhor.
Adorfinho ficou muito magoado, humilhado, sem chão, abandonado; sua palavra não tinha o menor peso. Parecia um estranho; não lhe deram ouvidos; perderam o respeito.
Não concordava com a filha, recém casada e com uma criança recém nascida e já separada.
Isso era inconcebível. Discutiram muito, quase chegaram as vias de fato, mas sua opinião não prevaleceu
Quando o genro fez as malas e foi embora pro hotel, ao fim da reunião. Adorfinho tomou o mesmo caminho, fez suas malas e também foi embora.
E nunca mais voltou àquela casa, até aquele almoço. Embora mantivesse conversas rápidas com a ex esposa, esse encontro cerimonioso com a presença de todos, era o primeiro.
Percebera que sua ex permaneceu só, ou será que viria alguma outra surpresa por ai?
Enquanto esses fatos o atormentavam apareceu na sala a antiga empregada Genésia, anunciando o início do almoço.
Foi um momento de descontração enorme pro nosso herói. Ao vê-lo Genésia já foi abraçando-o, conversando, puxando um assunto atrás de outro, não dando tempo pra responder.
Vendo o amigo todo suado e atrapalhado com as perguntas e com aquela situação, Genésia foi taxativa, sentenciando alto: “Doutor o senhor tá mais suado que tampa de malmita’.
E os ante-pastos foram servidos, seguido do almoço, bebidas e das sobremesas, frutas, tudo num clima familiar de muito respeito.
Adorfinho sentia que novamente voltara a ser importante no seio da família, a atual esposa e a ex, sua fillha e todos os demais comungavam uma harmonia completa; isso o deixava confuso; como isso seria possível?
Estavam todos presentes, sem rusgas, sem discussões, todos respeitando-se, admirando-se, trocando os presentes, rindo e conversando com naturalidade, como se nada tivesse acontecido.
Isso só podia ser milagre; milagre de Natal!
Lembrou-se da fala do pastor no último encontro semanal. “Muitos falam sobre o espírito natalino. Porém, a menos que Jesus nasça nos nossos corações, nada muda, nada adianta. Não adiantam as luzes, os enfeites, os presentes e nem as ceias”.
É isso aí, pensou, rindo com muita timidez.
Wagner Sampaio é Advogado
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