ADVOCACIA PITORESCA.*
1 - Homenagem deste articulista ao 11 de Agosto – Dia do Advogado, do Magistrado, do Estudante de Direito e comemorativa da Iniciação dos Cursos Jurídicos no Brasil, e também Dia do Pendura.
2 – A frase mais bonita que ouvi e já faz muito tempo foi de um colega que depondo na CPI do Judiciário, (contemporâneo ao ano 2000), indagado sobre determinado assunto respondeu:
‘DURANTE MINHA VIDA PROFISSIONAL TODA, FUI UM ADVOGADO INDEPENDENTE !”
Texto publicado no NJ - Nosso Jornal em 2000.
VELÓRIO, CACHAÇA E BAILE
Quando souberam do falecimento do velho Zeca, os seus amigos e amigas começaram a chegar na chácara onde estava sendo velado. Zeca era um sujeito descompromissado. Não tinha parentes. Era solteiro. Mas sempre tinha uma mulher diferente em sua companhia. Apaixonara-se uma vez, por uma mulher casada, que o correspondera, da qual se tornara fiel comborço, mas não se dera bem: o marido meteu-lhe uma bala nas costas, no exato momento em que fugia pulando o muro e ainda passou por ladrão de galinhas... inculpação que sofreu em silencio para não envolver a mulher do outro. Ao deixar o hospital, onde esteve morre-não-morre, jurou que não se envolveria mais em aventuras comborcianas. E cumpriu o juramento.
Na sua chácara, situada no Beco do Salso, só entrava mulher absolutamente livre. Ali realizava seus bailes particulares regados a cachaça e cerveja. E muitas vezes a policia teve de intervir para manter a ordem. Puxava uma gaita sanfona de quatro baixos e uma “hilera”, que adquirira no vizinho país do Uruguai e que depois perdera num daqueles bailes, quando um dos convidados a cortou ao meu com um golpe de facão. Nestes bailes, valia tudo mas sempre respeitado o “código moral!”, firmado em pacifica jurisprudência da casa: se a “moça” estiver acompanhada ninguém tocará nela senão o acompanhante!
Mas, como a lei está aí para ser infringida, haveria de aparecer dentre os convivas de Zeca alguém que violasse o “código” de um só amigo... As arruaças em degeneravam as festas do velho Zeca, tinham aí, via de regra, a sua origem.
Acontecia que Zeca sempre manifestara o desejo supremo de morrer num baile, de preferencia dançando uma valsa em desafio. Entretanto, o seu falecimento ocorrera em circunstancias diferente: caiu fulminado por uma parada cardíaca quando, oitovado num balcão de bolicho e bebericando uma pinga.
Todavia, os seus amigos entenderam desonroso para eles e para o defunto, não cumprir ainda que de modo incompleto, aquele desejo de última vontade. Se Zeca não se extinguiu dançando uma valsa, eles a dançariam durante o velório.
Começaram de modo cerimonioso.
Pois estavam de sentimento.
Velando o amigo, que se despedia do mundo, e que algumas horas depois receberia nos sete palmos de uma cova cemiterial, os últimos adeuses, tinham que dar às danças um sentido ritual de velório.
Pois estavam de luto. E quando um sujeito está de luto, deve respeita-lo dançando devagarinho. E foi assim que iniciaram a derradeira homenagem.
O esquife no centro da sala sobre uma mesa, cadeiras arredadas para dar espaço, gaiteiro num canto tocando o instrumento em ritmo maneirado. Os pares movimentando-se em roda do caixão, todos em silêncio. A cachaça correndo mensamente num copo comum, que passava de mão em mão.
Uma tristeza!
E muito respeito.
Sobretudo isto: muito respeito!
Quando, porem, ali pelas quatro horas, a polícia atendeu ao chamado dos vizinhos e lá chegou, não havia mais velório, mas uma farra das mais pesadas. O defunto tinha sido arredado para um lado, junto à “orquestra”, o pandeirista agitava o atavio de acompanhamento sentado sobre o caixão, as velas apagadas e no chão, a canha tomada na própria garrafa.
Foram todos recolhidos ao xadrez – um s vinte, vadios, vadias e a casa fechada com o féretro lá dentro.
Autuados por embriaguez e desordem, cumpriram o trâmite processual de estilo. E o advogado Aquilino, que se encarregara de justificá-los, fez a defesa global numa peça datilografada em papel pautado invocando os antigos bacanais e traçando um curioso e engraçado paralelo entre Baco, “Deus de Vinho” e Zeca “Deus da cachaça”.
Wagner Sampaio é Advogado
*Advocacia Pitoresca – A - Juraci de Assis Machado – Livraria Porto Alegre, 1978.
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