Novo coordenador de Políticas sobre Drogas do governo do Estado, o procurador de Justiça Mário Sérgio Sobrinho quer incentivar nas cidades paulistas a realização de parcerias entre governo, Justiça e grupos de autoajuda, como Alcoólicos Anônimos, Narcóticos Anônimos e Amor Exigente. A ideia é espalhar o conceito de “justiça terapêutica”, com o qual Sobrinho trabalhou no Fórum de Santana, em São Paulo, ao longo de dez anos.
Ele afirma que as parcerias podem ser feitas localmente e de modo informal, propiciando um ambiente favorável à recuperação para pessoas que cumprem penas por crimes ligados ao uso de álcool e drogas.
Sobre o cartão Recomeço, anunciado no dia 9 por Alckmin para financiar o tratamento de usuários, Sobrinho opinou ser uma estratégia "positiva".
Aos 51 anos, o procurador está no cargo desde fevereiro e tem como uma de suas prioridades a campanha de enfrentamento ao crack. O novo coordenador falou ainda que a ação policial na Cracolândia produziu resultados e que é contra a descriminalização de drogas.
Veja trechos da entrevista com Mario Sérgio Sobrinho:
Como foi o trabalho do senhor com a justiça terapêutica, e no que ela consiste?
Entrei no Ministério Público em 1989. Em 1996, passei a trabalhar com juizados especiais criminais e adoção de penas alternativas. Em 2002, conheci o programa de Cortes de Drogas, [que existe nos EUA e prevê que a justiça criminal e o sistema de tratamento contra a dependência de drogas trabalhem juntos para que o usuário se reabilite sem ter de ser preso]. A gente tinha casos de pessoas presas por porte de drogas para uso próprio e começou a dirigir as sanções para que não houvesse pagamento de multas ou prisão. Mas sim que a pessoa frequentasse grupos de autoajuda, como Narcóticos Anônimos (NA), Alcoólicos Anônimos (AA) e Amor Exigente. O Ministério Público propõe para a pessoa um acordo para ela frequentar esses grupos. Foram encaminhadas 1.500 pessoas. Um grande diferencial é que a gente conseguiu fazer que juízes, promotores e advogados tivessem uma proximidade maior com a comunidade.
Focava em alguma droga?
Não. Nos casos de álcool, por exemplo. A pena para dirigir embriagado é de prisão. É possível, se a pessoa for [ré] primária, você ajuizar o processo e propor a suspensão com a condição de a pessoa frequentar essas reuniões. Em 2012 a gente conseguiu uma parceria com o AME [Ambulatório Médico de Especialidades] da Vila Maria, especializada em psiquiatria e com um setor de álcool e drogas.
Quais os planos do senhor nesse novo cargo de coordenador de Políticas sobre Drogas?
Um deles é estimular a criação ou a reativação dos conselhos municipais de álcool e droga. Esse trabalho era feito pelo Dr. Laco [Luiz Alberto Oliveira, o antigo coordenador] e leva para os municípios um incentivo para que eles se articulem politicamente em razão do tema drogas. Mas o trabalho principal é acompanhar o programa de enfrentamento ao crack e outras drogas e o programa Recomeço, do governo do estado, que está sendo articulado para levar atendimento a familiares de pacientes com problemas com álcool e drogas para receberem um acolhimento em comunidades terapêuticas. Quero também continuar o trabalho que eu tinha no Ministério Público com a justiça terapêutica, ajudando onde for possível os juízes, promotores, advogados a difundir o mecanismo da Justiça terapêutica.
Onde isso já acontece?
Parcerias entre Estado e os grupos de AA, NA, Amor Exigente, Alanon e Naranon podem ser feitas localmente e de modo informal, ao lado de juízes e promotores. Esses grupos e a Justiça podem trabalhar de modo independente e harmônico, cada qual observando e respeitando suas peculiaridades, mas buscando melhor atender o dependente químico. Atualmente, a justiça terapêutica é aplicada no Fórum Criminal de Santana e em São José dos Campos de forma contínua. Há ações iniciadas em Santos, Jaboticabal e Andradina.
Que tipo de casos poderiam se encaixar na justiça terapêutica?
No sistema dos juizados especiais criminais (crimes com penas de até dois anos) e no caso de suspensão condicional do processo (crime cuja pena mínima for igual ou inferior a um ano, como na embriaguez no volante), a proposta para ingressar no sistema de justiça terapêutica deve ser aceita pelo infrator. Somente em caso de condenação, mediante processo regular, o juiz poderá determinar a frequência às reuniões.como sanção ou condição especial de cumprimento do regime aberto.
Como vê o cartão Recomeço, que vai financiar tratamento de usuários?
É um programa de transferência de renda que beneficia pessoas que queiram se tratar, para que possam custear o tratamento. É super positivo. Quando a família tem condições financeiras, acaba internando o usuário em uma comunidade terapêutica ou numa clínica. Inflelizmente quando a pessoa é carente, não pode pagar. O benefício não é pago diretamente à família nem para a pessoa, mas sim para a entidade onde é feito o tratamento.
A Secretaria da Justiça tem qual papel em relação às drogas?
Essa coordenação de política estadual sobre drogas foi criada em 2011 por um decreto do governador para fazer uma articulação, para incrementar a discussão junto aos municípios, às secretarias e à comunidade em geral. O tema droga está ligado a várias secretarias, como educação, saúde, trabalho, desenvolvimento social... Mas creio que por uma questão estratégica, para que haja essa articulação com outros órgãos do Executivo, a coordenação ficou na Secretaria da Justiça.
Como o senhor vê a ação integrada entre a polícia e outros órgãos na Cracolândia?
Essa ação teve foco maior na intervenção policial naquela área porque era muito difícil a ação da saúde, da assistência social e qualquer outra organização que quisesse oferecer ajuda para aquelas pessoas. Isso em razão do tráfico e das peculiaridades que estavam sendo vivenciadas ali. Teve uma duração não muito extensa e que teve resultados na área de saúde, social. E foi um marco para o entendimento de que o problema existe e é muito sério. Transpassa a ação da segurança pública, da Justiça, e precisa muito do apoio da comunidade articulada, precisa muito do apoio de todos os órgãos do Estado. A polícia não tem meios de acompanhar esses fatos isoladamente, mas a polícia é importantíssima e precisa estar lá para acompanhar a questão do tráfico, de crimes que relacionados com a questão do consumo de drogas. A partir de então, outras ações mais voltadas à questão da saúde, da problemática social, foram desenvolvidas. Tanto que em janeiro, esse programa de enfrentamento do crack e outras drogas, e o foco prioritário é questão de saúde.
O fato de a Cracolândia ter se dispersado para outros bairros era esperado? Foi uma falha?
É difícil falar se era esperado ou foi decorrência da ação policial. De certa forma isso expôs mais a situação do dependente químico, e talvez pessoas que não conhecessem a Cracolândia ou a problemática da dependência química passaram a ter essa noção.
Qual deve ser a nova etapa dessa estratégia?
O que tem desde meados de janeiro é essa observação da dependência química como uma doença complexa, mas que é tratável, da visualização muito severa que dependência do crack causa uma quebra dos vínculos familiares, e que o papel da Justiça tem sido relevante; Você deve conhecer esse programa do Cratod (Centro de Referência de Álcool, Tabaco e Outras Drogas, que é o principal órgão estadual de combate à droga na capital). que, por iniciativa da secretária Eloisa de Souza Arruda, conseguiu fazer uma coordenação de ações de saúde, desenvolvimento social e justiça. Juízes, promotores, advogados e defensores públicos estão trabalhando num plantão diário no Cratod para dar uma atenção para as pessoas que estão com necessidades urgentes. Na minha visão, quando você congrega saúde, assistência social e justiça, muitas soluções para casos até então insolúveis vão ser trazidas.
Há quem defenda as internações compulsórias como única forma de tentar recuperar um paciente com alto nível de dependência. Outros afirmam que esse tipo de ação não tem resultado e que é preciso a iniciativa do paciente. Qual a opinião do senhor sobre esse tipo de internação?
São três formas de internação previstas em lei (voluntária, involuntária e compulsória). Todas elas exigem uma avaliação médica. Em alguns casos, número muito pequeno, o abuso das drogas e a dependência é tão séria que a pessoa está comprometida no grau de discernimento dela sobre o tratamento. Até para ilustrar, nesse período que o plantão jurídico está funcionando, temos conhecimento de apenas um caso de internação compulsória. As involuntárias são 99%. A internação não é a única forma de tratamento Ele pode ser feito em ambulatório, em hospital-dia. A compulsória deve existir, mas para casos muito bem avaliados, extremos. Tem casos que começa involuntária e no curso da internação se transforma em voluntária. A pessoa sem aquela pressão ou efeito da droga aceita a internação.
Existe uma epidemia de crack?É uma afirmação polêmica o termo epidemia. Que o consumo está elevado, que você vai a vários locais do país e uma das principais reclamações das pessoas é sobre o consumo do crack, é verdade.. Epidemia tem uma classificação médica. Acho que esse termo foi usado para mostrar que está difundido na sociedade. Serviu para dar uma pensada.
Qual a opinião do senhor sobre descriminalização das drogas?
Creio que no estágio atual do envolvimento da nossa sociedade, a proibição penal do uso de drogas é uma medida válida e que eu considero útil. Você mostra para a pessoa que o uso da droga tem uma reprovação legal, que decorre de uma reprovação social, e que também tem o componente saúde pública e saúde individual. Para pequenas quantidades pode-se aplicar multa, prestação de serviços, medida de comparecimento a cursos, palestras para que a pessoa reflita sobre o uso da droga. É com base nisso que a justiça terapêutica está hoje funcionando.
Acredita que pode haver alguma discussão em algum ponto da legislação?
Penso até que no Brasil a gente precisa conversar mais sobre a regulamentação do uso do álcool. Essa discussão até já foi feita no âmbito estadual, onde uma lei de 2011 reforça a proibição da venda de bebida alcoólica para menores de 18 anos, punindo o responsável pelo estabelecimento que faça essa venda. Podemos discutir a existência indiscriminada de pontos de venda de álcool, o consumo em locais públicos e abertos, horários... A gente tem experiências no Estado de São Paulo. Foi mostrado que quando você controla a venda do álcool você acaba reduzindo até a violência urbana. (Fonte: G1/Márcio Pinho)
Foto:
Mário Sérgio Sobrinho, novo coordenador de Políticas sobre Drogas (Foto: Márcio Pinho)
Leia também:
Exposição de Fotos de Trabalhadores na Câmara Municipal de Jundiaí
Veja Mais noticias sobre Cidades